Leonard Nimoy teve uma vida longa e próspera. O intérprete do Sr. Spock, um dos mais complexos personagens da ficção científica de todos os tempos, morreu na madrugada de 27 de fevereiro, aos 83 anos. Além de sua longa carreira como parte integral de Jornada nas Estrelas – além da série de TV, ele esteve nos filmes com o elenco clássico e no reboot perpetrado por J.J. Abrams, sendo que Além da Escuridão foi seu último trabalho –, Nimoy também fez parte do elenco de Missão: Impossível na TV, apareceu em Bonanza, Rawhide, Além da Imaginação e Perry Mason (entre outras dúzias de shows), foi escritor, pintor, poeta e ativista. E também diretor de cinema. Como autor, ele comandou dois filmes da série espacial e um punhado de dramas e comédias que ninguém viu. Mas seu maior sucesso, ironicamente, não tem nenhuma relação com Spock, com Trek ou com o gênero que lhe consagrou. Tem a ver com uma garotinha abandonada pela mãe e criada por três marmanjos.

Três Solteirões e um Bebê parecia um projeto completamente fora da curva para Nimoy. Uma versão ianque para a comédia francesa 3 Homens e um Bebê, de 1985, o filme é uma comédia boboca e divertida, que coloca Tom Selleck, Steve Guttenberg e Ted Danson como três melhores amigos que dividem um super apartamento. Um dia, eles descobrem um bebê deixado na porta de casa – é a filha do personagem de Danson, fruto de um namoro relâmpago com Nancy Travis, que se vê sem condições de criar a filha. Três Solteirões é uma comédia de "peixe fora d'água", com o trio, que só pensa em farra e mulheres, mudando sua rotina para comportar a criança. Absolutamente nada de novo, absolutamente nada fora do normal. Ainda assim, com 170 milhões de dólares em caixa, tornou-se a maior bilheteria de 1987 – e o maior sucesso de Nimoy como diretor, à frente inclusive de Jornada nas Estrelas IV – A Volta Para Casa, considerado o renascimento da série no cinema.

O absoluto sucesso de Três Solteirões e um Bebê pode ter diversas explicações. A mais bizarra é a lenda que o filme fora gravado em um apartamento assombrado por um garoto que morreu lá. A evidência? Em uma cena, vê-se claramente um moleque, completamente fora do contexto, entre as cortinas do apartamento. O público ficou intrigado e, por isso, correu para os cinemas. Em um ano de pesos pesados como Máquina Mortífera, Os Intocáveis, Atração Fatal e Um Tira da Pesada II, foi um feito e tanto. Claro que a história do fantasma é pura bobagem. O que está em cena é um modelo de papelão do personagem de Danson, que é ator, vestido com um smoking. Sem falar que é ligeiramente difícil se tratar de um "apartamento assombrado" quando o filme foi rodado em cenários construídos em estúdio. Numa época sem internet, sem pirataria e sem a possibilidade de esmiuçar os frames de uma produção de cinema à exaustão, o boato tomou força.

A outra explicação é mais simples, menos romântica e, ora, mais realista. Nimoy é um diretor habilidoso e enxergou a química enorme em seus protagonistas, tecendo uma comédia fácil e realmente deliciosa, que apaixonou o público e criou um fenômeno. Ghost repetiu o feito poucos anos depois, por sinal. Hoje em dia é cada vez mais difícil surgir um fenômeno nascido da pura vontade de o público em abraçar uma história, mas nada é impossível. A maior prova é o suceso de Se Beber, Não Case. Ainda assim, é curioso observar a filmografia de Leonard Nimoy, um homem idolatrado por gerações de trekkies e nerds, um artista imortalizado pela ficção científica, e perceber que seu maior triunfo financeiro foi uma bobagem que hoje é lembrada por poucos. Coisas da vida.