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Filme da semana do Sadovski: Frank

Roberto Sadovski

13/04/2015 10h03

Frank é um filme muito, mas muito estranho. Gente estranha. Música estranha. Texto estranho. Ainda assim, é incrível como o diretor Leonard Abrahamson consegue transformar essa esquisitice em algo tenso e terno, inesperado e pop, ainda que passeie por um certo hermetismo e uma vontade quase irrefreável de pertencer a um gueto, a uma tribo. Mas é curioso como um filme aparentemente desenhado para um público bem hipster, na falta de um termo melhor, consegue ser tão universal. Talvez Frank demonstre que basta uma história ser bem contada para um filme achar seu eixo emocional – e, no processo, alcançar seu público.

Mais estranho ainda ver que o personagem-título seja interpretado por Michael Fassbender, que ainda anteontem dividia a carreira entre performances laureadas (como em Shame e 12 Anos de Escravidão) e mega-filmes-evento (X-Men: Dias de Um Futuro Esquecido), aqui com seu rosto coberto por uma pesada máscara/capacete que, em vez de lhe privar as emoções, conta com seu corpo para lhe dar profundidade. É uma atitude corajosa do ator e lembra de certa forma o que Hugo Weaving fez quando deu vida ao protagonista de V de Vingança.

Maggie Gyllenhaal, Michael Fassbender e Domhnall Gleeson experimentam o calor do deserto

Não que a trama aqui seja a queda de um governo totalitário. Nosso "guia" pelo mundo bizarro de Frank é Jon (Domhnall Gleeson), músico amador que junta seus trocados trabalhando em um cubículo. É totalmente ao acaso que ele testemunha o surto psicótico do tecladista de uma banda que se apresenta em sua cidade à noite, e é o destino que o coloca no palco da Soronprfbs (tudo bem, eu também não consigo pronunciar), que tem como vocalista e centro criativo o excêntrico Frank – por sa vez, inspirado no músico e comediante inglês Chris Sievey, morto em 2010. Quando parte com a trupe, que inclui uma Maggie Gyllenhaal afiada, Jon acredita ser a chance de deixar sua marca, ainda sem ter a menor noção de que toda aquela loucura talvez seja bem maior do que ele seja capaz de lidar.

Frank é um filme sobre descobertas. Da jornada criativa de Jon ao mistério de Frank, do clima caótico mostrado no período em que a banda se isola para gravar seu disco ao derretimento nuclear quando eles encaram o mundo real, representado por um convite para sair da Irlanda para se apresentar no festival South bt Southwest, em Austin, Texas (que foi "dublada" pela menos hipster Albuquerque, no Novo México). Gleeson segura a trama com desenvoltura, representando a pipa dançando no furacão quando, obviamente, tudo sai do controle. Ele vê em Frank sua passagem para a fama, sem nunca se dar conta de que não é fama e fortuna que está em jogo, e sim a sanidade de alguém que caminha numa linha tênue.

Um banquinho e um violão…

O irlandês Abrahamson criou um filme perturbador, em que a máscara incômoda usada por Fassbender é o elemento mais evidente. Ele brinca com a temperatura em cena, passando do frio irlandês ao calor texano, manipulando emoções de ambos os lados da tela. Sua habilidade em filtrar uma boa história em meio ao caos é o que mina o hermetismo de Frank, revelando uma trama universal sobre busca de identidade e as armadilhas da fama. Apesar de nosso ponto de vista estar ligado ao personagem de Gleeson, é de Fassbender a memória mais poderosa. Não apenas por causa da máscara (e da prova do grande ator que ele é, privado das emoções em sua face), mas também pelo clímax emotivo e inesperado. Ah, e pela música. Executada pelos atores ao vivo, são peças tão esquisitas quanto o filme; e, como ele, permanecem estranhamente estampadas na memória bem depois de as luzes se acenderem.

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Sobre o autor

Roberto Sadovski é jornalista e crítico de cinema. Por mais de uma década, comandou a revista sobre cinema "SET". Colaborou com a revista inglesa "Empire", além das nacionais "Playboy", "GQ", "Monet", "VIP", "BillBoard", "Lola" e "Contigo". Também dirigiu a redação da revista "Sexy" e escreveu o eBook "Cem Filmes Para Ver e Rever... Sempre".

Sobre o blog

Cinema, entretenimento, cultura pop e bom humor dão o tom deste blog, que traz lançamentos, entrevistas e notícias sob um ponto de vista muito particular.