Com Chappie, diretor Neill Blomkamp tenta escapar do fracasso de Elysium
Roberto Sadovski
15/04/2015 05h33
"Na hora em que construirmos uma máquina capaz de pensamentos independentes, vale tudo." O diretor Neill Blomkamp mostra em seu novo filme, Chappie, como seria o começa dessa revolução. Inteligência artificial, máquinas tomando aos poucos e em definitivo o lugar do ser humano, o ser humano brincando de Deus e criando um ser capax de pensar de volta. "Eu tenho total convicção que nós somos capazes de conceber algo assim", continua. "E facilitamos essa evolução ao construir máquinas mais e mais avançadas". O conceito da ficção científica veio a Blomkamp enquanto ele finalizada seu segundo filme, Elysium. Chapado no som do duo rapper/industrial Die Artwoord, o diretor imaginou como seria um robô de pensamentos próprios se fosse criado pela banda, como um filho. "Era uma visão estranha, mas já era uma ideia bem formada", lembra Neill. "Eu tive duas semanas de folga e nesse período escrevi Chappie."
A trama é simples. Num futuro não tão distante, numa Joanesburgo tomada pelo crime, uma empresa privada desenvolve um exército de robôs militares para auxiliar a polícia. Sucesso total, os "sentinelas" garantem a saúde financeira do conglomerado dirigido por Michelle Bradley (Sigourney Weaver). O único olhar de inveja é do ex-militar Vincent Moore (Hugh Jackman), que desenhou um robô controlado à distância e não admite ser passado para trás pela criação mais elegante e eficiente de Deon Wilson (Dev Patel). A coisa muda de rumo quando Deon está convencido de ter criado uma forma de inteligência artificial. Proibido de ligar o chip a uma das carcaças danificadas de um robô de pacificação, ele rouba um modelo determinado a levar sua ideia à frente. Mas não contava em ser sequestrado por Ninja e Yolandi (os próprios Die Artwoord, aqui basicamente interpretando uma versão hardcore deles mesmos), criminosos que querem um robô para chamar de seu – e para roubar o suficiente para deixar o bandidão que manda na cidade sul-africana longe de seus calcanhares. Com o chip já ligado em seu hardware, o que eles conseguem é Chappie.
"A tecnologia nos colocou num ponto em que nenhuma ideia é infilmável", explica Blomkamp. "Os limites são apenas econômicos, não mais criativos." Alçado à condição de gênio contemporâneo com o espetacular Distrito 9, de 2009, o diretor deu um passo para trás com o irregular Elysium, mas ainda tem a estatura de conceber um filme visualmente inovador como Chappie. E o trabalho não era pouco, já que o robô ao ser ligado comporta-se como uma criança, e lentamente passa pela adolescência à idade adulta, deixando clara a necessidade de um performer à altura, capaz de exprimir emoções sem nunca ser visto em cena. O "homem-invisível" é o ator Sharlto Copley, amigo de longa data de Neill que usou um traje de captura de movimento para dar a Chappie voz e corpo – é impressionante perceber que o robô é uma criação digital, e não um autômato de verdade, interagindo com o elenco. "Eu via Sharlto em cena e não parava de pensar que aquele híbrido de homem e máquina é nosso futuro", divaga Blomkamp. "Cada vez mais seremos capazes de nos modificar de forma realista, e o cinema não será nada além de um espelho de quem somos. Ir contra isso é inútil"
Embora o relativo fracasso de Elysium tenha colocado as habilidades do diretor em dúvida, ele afirma continuar orgulhoso da execução do filme – que trouxe no elenco Matt Damon, Jodie Foster e Wagner Moura. "O estúdio pediu algumas mudanças no que motivava o personagem de Matt", justifica. "Acho que isso eliminou parte de sua complexidade emocional." O que não impediu que ele trouxesse pesos-pesados para o elenco de Chappie, como Hugh Jackman, fazendo um inesperado papel de "vilão" ("Trabalhar com Hugh foi um prazer, ele era minha primeira escolha para o papel", recorda), e Sigourney Weaver como sua chefe, uma empresária de olho em cifras, não em evolução. Trabalhar com a atriz inspirou Blomkamp a rabiscar conceitos para uma retomada da série Alien com a atriz de volta como protagonista. "Não foi planejado", recorda. "Chappie teve um ano de pós-produção, e eu rabisquei alguns sketches mostrando para onde eu poderia levar a história." A arte conceitual foi colocada por Neill em sua conta do Instagram e a internet incendiou. "Foi o entusiasmo de Sigourney que mostrou que aquilo poderia funcionar", completa o diretor, que agora está trabalhando sob a produção de Ridley Scott para levar sua visão de Alien para o cinema.
E assim, Neill Blomkamp continua sua jornada para o futuro, misturando estilos, influência e, principalmente, o que ele observa no mundo real. Para isso ele realizou em São Paulo, em parceria com o You Tube, uma ação para incentivar jovens cineastas a criar sua própria visão do amanhã: em um cenário que espelha o visual de Chappie, estudantes e entusiastas criararam curta-metragens em diversos estilos, a ser enviados para sua apreciacão. "Não sei muito sobre seu background, mas acho incrível ver o jovens tentando encontrar sua visão em uma cidade tão parecida com a que eu cresci", conclui. "Será interessante ver o que eles podem fazer com ferramentas em mãos, sair de seus casulos. Sempre vou lutar pela evolução."
Sobre o autor
Roberto Sadovski é jornalista e crítico de cinema. Por mais de uma década, comandou a revista sobre cinema "SET". Colaborou com a revista inglesa "Empire", além das nacionais "Playboy", "GQ", "Monet", "VIP", "BillBoard", "Lola" e "Contigo". Também dirigiu a redação da revista "Sexy" e escreveu o eBook "Cem Filmes Para Ver e Rever... Sempre".
Sobre o blog
Cinema, entretenimento, cultura pop e bom humor dão o tom deste blog, que traz lançamentos, entrevistas e notícias sob um ponto de vista muito particular.