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Por que, afinal, Mad Max não é Mel Gibson em Estrada da Fúria?

Roberto Sadovski

17/05/2015 06h13

E lá estava Mel Gibson, todo sorrisos, ao lado de Tom Hardy e George Miller na pré-estreia de Mad Max: Estrada da Fúria. E lá estava Mel Gibson abraçando Miller após a sessão, louvando o trabalho do diretor, um amigo que ele não via há anos. O único lugar onde não se pode encontrar Mel Gibson? No próprio filme, dando vida pela quarta vez ao personagem que, entre 1979 e 1985, ao longo de três aventuras, foi alçado ao status de ícone cinematográfico moderno. Apesar de Hardy defender o anti-herói do mundo pós-apocalíptico de Miller com garra, suor e talento, muita gente ainda identifica Mel Gibson como Mad Max e estranhou o novo filme abrir mão de seu astro.

Mas a história, claro, não é bem essa. Quando George Miller encerrou a trilogia Mad Max em 1985 com Além da Cúpula do Trovão, ele o fez com pesar. Dois anos antes, durante a pré-produção do longa, seu parceiro, o produtor Byron Kennedy, morreu num acidente de helicóptero. Miller não tinha a energia para fazer o filme, e dividiu a direção com George Ogilvie. O resultado é um Mad Max flácido, com alguns momentos brilhantes emoldurados por uma aventura tépida, sem brilho ou vigor. Além disso, Cúpula do Trovão basicamente encerrava o que o diretor queria dizer com o personagem e seu mundo. Para ele, a Terra depois do apocalipse também chegara ao fim.

Mel Gibson saiu de Mad Max para se tornar astro em filmes como Máquina Mortífera

Ao mesmo tempo, Mel Gibson saiu do filme com Tina Turner para o mega estrelato. Se em 1985 ele era visto como um ator versátil e promissor, dois anos depois veio Máquina Mortífera e o flerte com o título de astro de ação. Conspiração Tequila, Alta Tensão, Maverick, O Preço de Um Resgate e mais três Máquina Mortífera o solidificaram nos anos 90. A vontade de trabalhar atrás das câmeras era forte e, depois do tímido O Homem Sem Face, Gibson abraçou o épico Coração Valente e ganhou o Oscar de melhor filme e direção. Mad Max se tornava uma lembrança cada vez mais distante, mesmo sendo o personagem que o apresentou ao mundo em primeiro lugar.

George Miller, por sua vez, fez As Bruxas de Eastwick e O Óleo de Lorenzo em seus anos pós-Max. Com um trabalho intensivo atrás das câmeras como produtor e roteirista, ele fez Babe, O Porquinho Atrapalhado (dirigido por Chris Noonan) e assumiu a guia em sua sequência, O Porquinho Atrapalhado na Cidade, de 1998. Neste mesmo ano, Miller dirigia por Los Angeles quando teve uma ideia que poderia significar a volta de Max. Em 1999, a história tomou corpo, com o diretor imaginando um futuro distópico em que gangues não lutavam por água ou combustível, e sim por seres humanos. A queda das torres gêmeas em setembro de 2001 puxou o freio em produções intensas e violentas como Mad Max, e o novo filme foi adiado. Em seguida, fatores econômicos derrubaram o valor do dólares americano ante o australiano, e o orçamento agora inchado fez com que o estúdio segurasse as rédeas mais uma vez. Em 2003, mais uma vez um quarto filme foi limado porque a Guerra no Iraque jogou uma luz politicamente incômoda em seus temas e narrativa.

George Miller ganhou um Oscar pela animação Happy Feet – O Pinguim

Até então, Mel Gibson estava escalado por Miller para retomar o papel, mesmo com um interesse cada vez maior em se dedicar à direção. Sinais, de 2002, tornara-se sua maior bilheteria, e o astro disse só se animar em voltar a atuar se o roteiro fosse realmente brilhante – o que era o caso do novo Mad Max. Depois do último percalço, porém, Gibson perdeu o interesse, sumindo dos holofotes de Hollywood e desaparecendo no papel de diretor em A Paixão de Cristo (2004) e Apocalypto (2006). Ao mesmo tempo, o capital do astro começava a desaparecer, com seu nome envolvido em polêmicas que o colocavam como antissemita, racista e abusivo com mulheres. As histórias, nem sempre reais, grudaram em Gibson como chiclete em asfalto quente, e mesmo a defesa muito pública de amigas como Jodie Foster e Whoopi Goldberg não bastaram para o cinemão lhe dar de ombros. Sua participação em Se Beber, Não Case Parte II, por exemplo, foi cancelada por protestos de parte da equipe e elenco.

Enquanto isso, George Miller seguia em frente com Mad Max, mesmo sem Mel Gibson. Enquanto as peças do quebra-cabeças que era o quarto filme demoravam a se encaixar, ele ocupou seu tempo ganhando um Oscar – de Melhor Animação por Happy Feet – O Pinguim, de 2006, que ganhou uma continuação pelo próprio Miller cinco anos depois. Com Tom Hardy já no lugar como o novo Max, e Charlize Theron escalada para ser a outra protagonista da aventura, Furiosa, o diretor seguiu para o deserto australiano, palco da trilogia original, preparar o novo filme. Em 2011, porém, a produção tocou levemente o freio mais uma vez quando teve de ser deslocada da Austrália para a Namíbia. O motivo? Uma temporada de chuvas torrenciais transformaram o cenário desértico em um extenso tapete florido, arruinando seu visual pós-apocalíptico. Entre 2012 e 2013, Mad Max: Estrada da Fúria finalmente foi rodado – com 90 por cento das cenas feitas sem nenhuma trucagem digital (se você já viu o filme sabe o quanto isso é importante e espantoso) e sem seu astro original.

Tom Hardy é um Mad Max mais do que digno em Estrada da Fúria

Com a estreia da aventura, até o momento o melhor filme de 2015, o círculo ficou completo, com Gibson, Hardy e Miller abraçados em sua pré-estreia. Seria bacana, claro, imaginar como seria Estrada da Fúria com seu protagonista original, um guerreiro da estrada quebrado por dentro, assombrado por seus fracassos e descrente com o futuro – não muito diferente da percepção pública de quem é Mel Gibson hoje. Mas o cinema nem sempre é espelho da vida real, e encontra sempre uma maneira de prosseguir mesmo quando o lado de cá é assolado por problemas políticos, econômicos, naturais e pessoais. Todo tipo de percalço que terminou afastando Mel Gibson de Mad Max. A resposta para a pergunta lá do alto, portanto, é inacreditável de tão simples: não era para ser.

Gibson, Hardy e Miller fecham o círculo na estreia de Estrada da Fúria

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Sobre o autor

Roberto Sadovski é jornalista e crítico de cinema. Por mais de uma década, comandou a revista sobre cinema "SET". Colaborou com a revista inglesa "Empire", além das nacionais "Playboy", "GQ", "Monet", "VIP", "BillBoard", "Lola" e "Contigo". Também dirigiu a redação da revista "Sexy" e escreveu o eBook "Cem Filmes Para Ver e Rever... Sempre".

Sobre o blog

Cinema, entretenimento, cultura pop e bom humor dão o tom deste blog, que traz lançamentos, entrevistas e notícias sob um ponto de vista muito particular.