15 anos atrás, X-Men ensinou como fazer o filme de super-herói moderno
Roberto Sadovski
14/07/2015 17h14
"Meu nome é Hugh, eu interpreto o Wolverine." Era fevereiro de 2000 e eu acabara de chegar ao set de X-Men em Toronto, no Canadá, sendo recebido por um ator que, meses depois, se tornaria o primeiro astro do novo século. Cinco meses depois, em 14 de julho, a aventura mutante chegou aos cinemas cercada de dúvidas, mas conseguiu um feito e tanto, que hoje reverbera no cinema pop mundial: fez com que filmes baseados em super-heróis de quadrinhos não fossem mais vistos nem como um fenômeno isolado, muito menos como "coisa de criança". Com uma mistura de ação, adaptação e temas relevantes, X-Men abriu portas importantes – escancaradas dois anos depois com a estreia de Homem-Aranha.
Mas quinze anos atrás, tudo não passava de um imenso ponto de interrogação. A própria Fox, estúdio que tinha os direitos dos heróis mutantes (e também do Demolidor e do Quarteto Fantástico), apostou no filme como uma experiência. Três anos antes, Batman & Robin havia jogado qualquer credibilidade artística de heróis de gibi no cinema na lama. Blade – O Caçador de Vampiros, marco zero da Marvel moderna em celulóide, jamais fora percebido como um "filme de super-herói", e sim uma aventura sobrenatural. O próprio Bryan Singer nunca abrira uma história em quadrinhos na vida, e tinha dúvida se um filme com pessoas superpoderosas valeria a pena para apostar um longo período de sua vida.
"Eu e Bryan fomos conversar com um dos executivos do estúdio, e o sujeito começou a explicar que os X-Men eram jovens com superpoderes, que disparavam raios pelos olhos, tinham garras, asas, controlavam a mente ou o clima. E eu vi o tédio em seus olhos", explica Tom DeSanto, que trabalhou com Singer em O Aprendiz e, ele sim, era um nerd com credenciais sólidas. "Antes que ele fosse embora e a coisa toda se perdesse, eu disse que o mundo mutante era como a luta entre Malcolm X e Martin Luther King, uma ficção científica em que dois homens lutam pela mesma coisa, só que usam métodos radicalmente diferentes. E foi isso." Singer, de fato, foi fisgado. Ele enxergou nos mutantes Magneto e Charles Xavier o espelho perfeito para amplificar a luta das minorias se maneira metafórica; crítica social em forma de entretenimento.
Traduzir as ideias para um mundo tridimensional, por outro lado, foi mais complicado. Uma dúzia de roteiristas colocou as mãos no roteiro de X-Men, e outro sem-número de diretores foi considerado pela Fox. O orçamento foi apertado em enxutos 75 milhões de dólares, com uma data de estreia não só imutável, mas desenhada para sair do caminho dos pesos pesados daquele ano, como Missão Impossível II e O Patriota. Para resumir, X-Men teria de existir custando pouco, executado rapidamente e de maneira que o grande público, e não apensas os nerds fanáticos, pudessem abraçar a coisa. O elenco de desconhecidos virtuais trazia, porém, dois grandes trunfos na pele de Patrick Stewart (Charles Xavier) e Ian McKellen (Magneto), atores de peso que conferiam credibilidade ao time.
Para fazer o astro da aventura, porém, o estúdio teve de se curvar ao acaso. Dougray Scott estava escalado para fazer Wolverine, mas se machucou no set de Missão Impossível II e demoraria semanas para estar fisicamente capaz; por outro lado, Singer se comprometeu com Peter Jackson que não seguraria McKellen além da agenda apertada, já que o ator teria de estar na Nova Zelândia para filmar O Senhor dos Anéis como o mago Gandalf. Hugh Jackman havia testado duas vezes para o papel e estava, literalmente, cansado do processo. Seu último teste, ao lado de Anna Paquin, acendeu uma luz na mente do diretor, que bancou seu Wolverine sem pensar duas vezes.
Embora os X-Men fossem uma das jóias da coroa da Marvel, nem de longe eles tinham o reconhecimento de marca de um Batman ou Homem-Aranha. Quem lembrava dos mutantes fora do gibi os conhecia pela série animada para TV que teve seu auge no meio dos anos 90. Problema número 2: Singer já determinara que as roupas coloridas dos gibis e do desenho jamais funcionariam em um filme sério sobre minorias raciais, substituindo os colantes por trajes de couro preto. Apesar da gritaria dos fãs (ainda discreta, já que a internet também estava entrando na puberdade), os investidores não viram problema, já que no ano anterior outra ficção científica sóbria com protagonistas usando roupas de couro tinha roubado o holofote do Episódio 1 de Star Wars: Matrix.
X-Men finalmente estreou com surpreendente 55 milhões de dólares nas bilheterias ianques, terminando sua carreira com respeitáveis 300 milhões em todo o mundo. Todas as adaptações e diferenças visuais e conceituais dos gibis se tornaram irrelevantes quando as plateias viram que Bryan Singer executara um filme sério, com uma visão temática clara, mas que nunca esquece que é entretenimento. O choque já começava na cena inicial – não com super-heróis, mas com um garoto perdendo seus pais no campo de concentração de Auschwitz, durante a Segunda Guerra Mundial. Nunca antes um "vilão" de filmes de super-heróis trazia tanta empatia; e a aventura ganhava uma inesperada e bem vinda relevância. "A ficção científica é o gênero mais perfeito do cinema", disse Singer à época. "Podemos explorar qualquer metáfora, qualquer ângulo de qualquer história, sem amarras, deixando o foco na condição humana."
Quinze anos depois, o equilíbrio de diversão e seriedade continua sendo o foco de toda adaptação de gibi bem sucedida – isso quando as chaves do reino são entregues para as mentes criativas certas. A coisa funciona quando cineastas não fazem "filmes de super-heróis", mas experimentam gêneros dentro dessa caixinha de brinquedos. Em especial a Marvel, que já criou filmes sobre invasões alienígenas (Os Vingadores), thriller político (Capitão América: O Soldado Invernal), épico de fantasia (Thor), aventura espacial (Guardiões da Galáxia) e filme de roubo (Homem-Formiga). E tudo teve início num inverno canadense rigoroso, com um ator desconhecido tomando duchas geladas para encontrar a "fúria interior" de um guerreiro desmemoriado, em busca de seu lugar no mundo. Todos, pelo visto, encontraram.
Sobre o autor
Roberto Sadovski é jornalista e crítico de cinema. Por mais de uma década, comandou a revista sobre cinema "SET". Colaborou com a revista inglesa "Empire", além das nacionais "Playboy", "GQ", "Monet", "VIP", "BillBoard", "Lola" e "Contigo". Também dirigiu a redação da revista "Sexy" e escreveu o eBook "Cem Filmes Para Ver e Rever... Sempre".
Sobre o blog
Cinema, entretenimento, cultura pop e bom humor dão o tom deste blog, que traz lançamentos, entrevistas e notícias sob um ponto de vista muito particular.