Spike Lee boicota; a presidente da Academia se desculpa: O Oscar é racista?
Roberto Sadovski
20/01/2016 05h12
Dois anos atrás, a festa do Oscar fez história ao celebrar, entre indicados e vencedores, uma bem vinda diversidade. O diretor Steve McQueen, o roteirista John Ridley e a atriz Lupita Nyong'o saíram da cerimônia com a estatueta dourada – McQueen como produtor de seu 12 Anos de Escravidão, já que o prêmio de direção ficou com o mexicano Alfonso Cuarón por Gravidade. E todos viveram felizes para sempre, certo?
Bom, não exatamente.
Apenas dois anos depois, Spike Lee encabeça um boicote à premiação do Oscar, que acontece no próximo dia 28 de fevereiro. O mesmo Lee, que foi laureado com uma estatueta honorária no último 14 de novembro, agora clama pela total falta de diversidade entre os indicados pela Academia: nenhum ator negro concorre ao Oscar em nenhuma categoria. São vinte artistas brancos, repetindo o mesmo quadro do ano passado. "Como é possível, pelo segundo ano consecutivo, que todos os vinte indicados nas categorias de atuação são brancos?", perguntou Lee em seu Instagram. "Martin Luther King disse que chega um momento em que temos de tomar uma posição que não será segura, nem política, nem popular, mas necessária porque a consciência nos diz que é a correta."
Jada Pinkett Smith, que viu seu marido, Will Smith, fora da competição por seu papel em Um Homem Entre Gigantes, endorsou Spike Lee, jogando o questionamento em seu Twitter: "No Oscar as pessoas de cor são bem vindas para entregar prêmios, até entreter. Mas raramente somos reconhecidos por nossas conquistas artísticas. Será que as pessoas de cor deviam se remover completamente da cerimônia?" Michael Moore, diretor do documentário vencedor do Oscar Tiros por Columbine, e dono de um faro apurado para polêmicas, logo se juntou ao boicote. Muita gente graúda da indústria os apoiam. Outros acham tudo uma grande bobagem.
O fato é que Lee, Smith e Moore estão certos em um ponto: ainda estamos longe de um cinema plural e diverso. Mas eles estão mirando no alvo errado. O Oscar, obviamente, não é racista – a presidente da Academia, Cheryl Boone Isaacs, além do produtor da cerimônia, Reggie Hudlin, e seu apresentador, Chris Rock, são negros. Não há a menor lógica que, em dois anos, os mais de 6 mil membros da Academia, espalhados ao redor do globo e que louvaram Lupita Nyong'o, de repente se tornaram supremacistas brancos dispostos a banir as minorias de sua festinha.
E mais: a "Academia" não é um vilão de desenho animado, como um certo deputado brasileiro que acha que todos que não são brancos, hetero e homens não são gente. Prefiro acreditar que os melhores, na visão dos votantes, são os que concorrem ao Oscar. Prefiro acreditar que Michael B. Jordan e Tessa Thompson não tenham sido indicados por Creed por não ser sua vez. Ou que os atores em Straight Outta Compton tenham ficado de fora (mas não seus roteiristas, brancos) por mérito dos cinco que concorrem à estatueta. Eu prefiro acreditar que todos os indicados estão ali por força de seu talento e pelo reconhecimento de seus pares – os mais de 6 mil em todo o mundo.
O problema é que a indústria ainda engatinha na questão da diversidade, mesmo que passos gigantes tenham sido dados. O presidente da Associação de Críticos de Cinema Afro-Americanos, Gil Robertson, acredita que o boicote é um grande engano. "A comunidade negra precisa entender que receber uma indicação ao Oscar é algo grande para qualquer um, não importa raça", disse, completando: "Mudança leva tempo".
É exatamente o coro feito pela própria Cheryl Boone Isaacs: "Enquanto celebramos os feitos (dos indicados), eu estou de coração partido e frustrada pela falta de inclusão", disse em uma declaração após o boicote proposto por Spike Lee. A Academia está tomando passos decisivos para alterar a configuração de nossos membros. Nos próximos dias e semanas conduziremos uma revisão em nosso recrutamento de novos membros para trazer uma diversidade necessária para além de 2016."
Mas a falta de diversidade não é da Academia, é do próprio cinema. Lee, por exemplo, defende que Hollywood poderia fazer como a NFL, a liga de futebol americano, que exige que as equipes entrevistem candidatos pertencentes a minorias para ocupar cargos de treinados ou de executivos. É improvável, entretanto, que um membro sério da Academia, independente de sexo, raça, orientação sexual ou credo, indique ao Oscar, por exemplo, um ator somente por ele ser negro, e não por sua excelência. Mas diversidade em posições-chave dentro das engrenagens do cinema ao menos podem garantir que exista mais diversidade em grandes filmes. Maior diversidade significa mais chances de uma premiacão como o Oscar se mostrar mais plural.
Gradativamente, e ainda em baixa velocidade, o cinema pop – o de maior visibilidade – tem aumentado sua diversidade, incluindo mais atores negros em seus grandes lançamentos. Assim, Michael B. Jordan foi um dos protagonistas de Quarteto Fantástico (independente da falta de qualidade do filme), John Boyega estava na ponta de Star Wars: O Despertar da Força, e Idris Elba deve liderar o elenco da ambiciosa adaptação de A Torre Negra, de Stephen King. Ainda são pequenos passos, mas necessários para mudar o pensamento de executivos – e também do público! – e mostrar que entretenimento não é um jogo de poucas cores.
O assunto, claro, é delicado. Minorias não se resumem a atores negros. Também não temos nenhuma mulher indicada como diretora, por exemplo – até hoje só Kathryn Bigelow ganhou uma estatueta, por Guerra ao Terror. Atores hispânicos e asiáticos raramente figuram entre os candidatos ao Oscar. Inclusão e diversidade, embora pareça uma ladainha enfadonha, deveria ser o pilar que sustenta não só o entretenimento, mas cada aspecto que nos conduz como sociedade. O boicote de Spike Lee pode parecer um exagero – como eu disse, definitivamente é o alvo errado. Mas a discussão é válida, e um palco como a cerimônia dos prêmios da Academia, acompanhada por milhões de pessoas em todo o mundo, e discutida até por anos a seguir, não é um lugar ruim para se jogar este holofote. Até a noite da entrega do Oscar, portanto, é este o assunto que vai dominar as conversar em Hollywood. E não se Leonardo DiCaprio finalmente vai deixar de protagonizar memes engraçadinhos…
Sobre o autor
Roberto Sadovski é jornalista e crítico de cinema. Por mais de uma década, comandou a revista sobre cinema "SET". Colaborou com a revista inglesa "Empire", além das nacionais "Playboy", "GQ", "Monet", "VIP", "BillBoard", "Lola" e "Contigo". Também dirigiu a redação da revista "Sexy" e escreveu o eBook "Cem Filmes Para Ver e Rever... Sempre".
Sobre o blog
Cinema, entretenimento, cultura pop e bom humor dão o tom deste blog, que traz lançamentos, entrevistas e notícias sob um ponto de vista muito particular.