No Dia da HQ Nacional, descubra 10 gibis brazucas que vale a pena conhecer
Roberto Sadovski
29/01/2016 05h44
Fato: o mercado dos quadrinhos no Brasil está bem servido de criadores e criações nacionais. O que é ótimo! Existe diversidade de gêneros, formatos e propostas. Melhor ainda: os autores estão cada vez mais saindo do formato editora + livraria (não é um pecado, mas também não é o único) para desbravar novas possibilidades – de HQs digitais a impressões financiadas por crowd funding a apostas de medalhões na boa e velha arte sequencial. Como celebramos o Dia do Quadrinho Nacional neste 30 de janeiro, tirei o pó das pilhas de gibis acumulados no QG para separar uma dezena de títulos bacanas que podem mostrar a quem ainda não aposta em HQs da terrinha que um mergulho no desconhecido é uma boa pedida. Mas, fica a dica, não se limite aos gibis aí embaixo: tem mesmo MUITA coisa bacana sendo feita aqui. A ideia é abrir uma fresta. Fica em suas mãos a tarefa de escancarar as portas.
LAVAGEM, de Shiko
O paraibano Shiko é um dos artistas mais intensos e essenciais do quadrinho nacional. Lavagem tem como base um curto que ele mesmo executou em 2011. Aqui, a linguagem é áspera, carregada de simbolismo, traduzida numa história de horror envolvendo um casal isolado no mangue, a "palavra de Deus" e… porcos. É uma história suja e sangrenta, nervosa e catártica. Equilibrando luz, sombras e o espaço perdido entre eles, Shiko criou uma obra notável em narrativa gráfica. E uma história que demora para deixar a mente – se deixar…
DOIS IRMÃOS, de Fábio Moon e Gabriel Bá
Os irmãos Fábio Moon e Gabriel Bá são nossos MVP dos quadrinhos. Dois Irmãos é mais um trabalho belíssimo, que adapta o livro homônimo de Milton Hatoum, que aborda a relação de dois irmãos gêmeos (!) em meio a uma família em crise. Ambientada em Manaus, a história de Yaqub e Halim, filhos de imigrantes libaneses, resvala em temas pesados, que ganham luz na interpretação de Moon e Bá – a reprodução da arquitetura da capital do Amazonas, por exemplo, é brilhante. Dois Irmãos torna-se ainda mais essencial por ser uma adaptação literária contemporânea, colocando os quadrinhos como uma mídia poderosa para contar qualquer história.
LOUCO: FUGA, de Rogério Coelho
A série de graphic novels inspiradas nas criações de Maurício de Souza se tornou um dos maiores palcos para criadores de quadrinhos soltarem a imaginação ao recriar personagens que acompanham o público brasileiro há décadas. Mas em Louco: Fuga, Rogério Coelho deu um passo além, abusando da metalinguagem e fazendo com que o personagem-título, em missão para impedir que uma ave especial seja aprisionada por "guardiões do silêncio", cruze por momentos específicos da própria Turma da Mônica. É uma homenagem a Maurício e também aos artistas que deram um passo além em seu universo. Tudo emoldurado pela arte mais bela em um gibi nacional em muito tempo.
AURORA, de Felipe Folgosi e Leno Carvalho
Muita gente torceu o nariz quando Felipe Folgosi, que é ator, aventurou-se a escrever uma HQ – como se uma habilidade anulasse outra. Bobagem. Concebido originalmente como um rotiero para um filme de ficção científica, Aurora traz uma narratica clássica e trilha caminhos familiares, colocando o protagonista, tripulante de um pesqueiro, envolvido em uma história fantástica quando ganha habilidades sobre humanas devido a um evento misterioso. Conspirações governamentais, um climão de blockbuster ianque e uma trama bacana sobre o poder da fé completam o quadro, que conta com arte de Leno Carvalho (que por vezes lembra Brent Anderson, de Astro City) e da equipe do Instituto dos Quadrinhos.
QUAD, de Eduardo Schaal, Aluísio C. Santos, Diego Sanches, Eduardo Ferigato
Eu falei um pouco sobre Quad aqui, logo em sua concepção. Agora em seu terceiro volume, a antologia do quarteto Schaal, Aluísio, Sanches e Ferigato é, sem dúvida, a melhor HQ publicada no Brasil atualmente. O motivo é até óbvio: uma visão clara do mundo que eles criaram, uma distopia pós-apocalíptica habitada pelo restolho de uma humanidade em extinção. Neste cenário, robôs, assassinos, astronautas, mercenários, heróis, vilões e gatos (!) caminham ou para o entardecer do homem como raça, ou para um recomeço espetacular. Quad, por sinal, já está dando frutos: Gargantua, de Daniel Rosini, já sai com o selo iniciado pelo quarteto.
JOCKEY, de André Aguiar e Rafael Calça
Um raro noir brasileiro, Jockey traz a ação para os anos 40, em uma cidade não muito diferente de São Paulo, tendo como pano de fundo as corridas de cavalo. É o centro de uma trama enraizada no gênero, que envolve políticos corruptos, um jornalista não exatamente ético, um detetive e uma estranha ausência de femme fatales. Com um forte elemento sobrenatural, André Aguiar e Rafael Calça constroem uma história econômica nos diálogos, de atmosfera densa e narrativa escancaradamente cinematográfica. A arte de Aguiar, por sinal, é clara e fácil de seguir – seja no retrato de momentos e lugares mundanos, seja nos delírios que envolvem o espírito de um cavalo. Pulp até a alma.
DODÔ, de Felipe Nunes
Felipe Nunes usa o lirismo da amizade de uma menina de seis anos com um animal imaginário (será?) para falar de temas pesados, como abandono, solidão e o impacto da separação dos pais em uma criança. Dodô é narrado do ponto de vista de Laila que, fora do colégio e sem entender por que é ignorada por mãe, pai e babá, abriga um pássaro em casa. O apetite destruidor do dodô (um bicho extinto, claro….) e seu rastro de destruição doméstico reflete de forma simples o turbilhão na alma da garotinha. Felipe Nunes tem 20 anos, um traço fácil e bonito e sensibilidade ímpar. Vai longe.
QUIRAL, de Eduardo Damasceno e Luís Felipe Garrocho
A dupla Damasceno e Garrocho abraça a aventura em duas linhas temporais diferentes neste Quiral. A trama gira em torno de uma garota que quer ir para o mar e o capitão que, décadas antes, seguiu o mesmo caminho para matar monstros. O elo entre os dois é um livro, escrito por um, adotado por outro, que é objeto de conforto e angústia. Usando uma aventura épica como mote, os criadores retratam dois personagens tão distintos enfrentando o mesmo dilema: como ir de encontro com o que a sociedade espera deles e seguir seu próprio caminho? Coisa fina.
LIMIAR: DARK MATTER, de Luciano Salles
Uma coisa é certa sobre este quarto trabalho de Luciano Salles: o bagulho é louco! Com arte e narrativa que remetem à ficção científica mais psicodélica que a cultura pop pode conceber, Limiar é uma história de vingança ambientada na memória de um morto. Sem economizar em cenas de impacto ("disparar" com a mão e os dedos em forma de revólver, acredite, traz conseqüências…), Salles consegue combinar ideias e imagens com uma voz peculiar. Não é, definitivamente, uma HQ fácil. Mas, quando o mundo caminha para fórmulas fáceis, é um alívio ver um artista disposto a correr riscos.
QUADROS, de Mike Deodato
Há anos trabalhando para a Marvel, Deodato é definitivamente um superstar dos quadrinhos mundiais. Por isso a surpresa e o prazer em descobrir este Quadros, que compila histórias publicadas em seu blog pessoal, com um estilo e uma proposta que não poderia passar mais ao largo dos super-heróis que lhe trouxeram notoriedade. Com uma pegada mais experimental e filosófica, Deodato brinca com o formato, cria pensatas em forma de tiras, quadrinhos e pôsteres, ao mesmo tempo em que abre seus pensamentos e revela a intenção por trás de cada história. É um achado e um novo caminho para um artista já tão completo.
Sobre o autor
Roberto Sadovski é jornalista e crítico de cinema. Por mais de uma década, comandou a revista sobre cinema "SET". Colaborou com a revista inglesa "Empire", além das nacionais "Playboy", "GQ", "Monet", "VIP", "BillBoard", "Lola" e "Contigo". Também dirigiu a redação da revista "Sexy" e escreveu o eBook "Cem Filmes Para Ver e Rever... Sempre".
Sobre o blog
Cinema, entretenimento, cultura pop e bom humor dão o tom deste blog, que traz lançamentos, entrevistas e notícias sob um ponto de vista muito particular.