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Rua Cloverfield, 10 usa a grife J.J. Abrams em uma (boa) trama de paranóia

Roberto Sadovski

07/04/2016 01h47

O cinema atual é, em grande parte, movido a "franquias". É uma palavra que eu detestava, por que parecia transformar a experiência de ver um filme em algo similar a comer em um fast food: engana os sentidos, parece ter sabor mas, no fim, é vazio. Mas a regra não se aplica. O termo, no cinema, sinaliza uma marca, um guarda-chuva sob o qual pode se abrigar uma série, um universo, ou mesmo um conceito. Cloverfield, da maneira mais inesperada possível, tornou-se exatamente isso.

Cria do produtor J.J. Abrams, Cloverfield veio ao mundo em 2008 como um filme de monstro. Sob direção de Matt Reeves, mostrava, em estilo found footage, uma festa de amigos em Nova York, interrompida quando a metrópole era invadida por uma criatura colossal. Como o registro era todo feito em uma câmera nas mãos de um convidado, éramos jogados bem no meio do caos, com o bichão destruidor revelado em toda sua glória somente na prorrogação do segundo tempo. O filme custou pouco, faturou alto mas não abriu espaço para uma continuação. Até agora. Certo? Bom, mais ou menos….

Rua Cloverfield, 10 surge com o mesmo espírito do filme de 2008, embora traga um plot totalmente diferente – ao menos na superfície. Na trama, Michelle (Mary Elizabeth Winstead) sofre um acidente de carro, e acorda em um bunker. Seu "salvador" é Howard (John Goodman), sujeito que tem "teoria de conspiração" praticamente impresso na testa. No abrigo, também se encontra Emmett (John Gallagher Jr.). Assustada (com razão) e desorientada, Michelle quer avisar alguém que está bem, quer deixar o lugar, mas Howard então joga a bomba: houve um ataque, o ar está irrespirável, provavelmente todos do lado de fora estão mortos e eles não podem em hipótese alguma sair dali.

Com essa premissa, o diretor Dan Trachtenberg cria um jogo de paranoia sufocante, em que acompanhamos o medo de Michelle de perto. Se for uma mentira, qual a intenção de Howard? Se não for, como se preparar para o fim do mundo? Trachtenberg equilibra tensão e humor, sem nunca dar pistas do clímax – quando este se revela, claro, é da maneira mais inesperada. O filme é, por sinal, baseado em outro roteiro, "The Cellar", ganhando a "marca" Cloverfield quando parou nas mãos de J. J. Abrams e sua produtora, a Bad Robot.

O que é benção e maldição no mesmo pacote. O lado bom é que, com "Cloverfield" no título, o filme ganha grife, uma projeção que talvez não tivesse se fosse simplesmente, vai saber, "O Abrigo". Ao mesmo tempo, vem a expectativa de ter (ou não) uma conexão com seu antecessor. Expectativa, sabemos, pode gerar frustração. Basta dizer que a grande sacada de J.J. Abrams é poder usar o nome (a franquia, a marca) Cloverfield em qualquer narrativa, adaptando-a para filmes e propostas diferentes. É um modo diferente de começar uma série: nenhum criador precisa se prender a uma linha narrativa pré-existente, nenhum filme precisa ter ligação com outros sob a mesma asa.

O que importa, no frigir dos ovos, é o próprio filme. E Rua Cloverfield, 10 entrega o que promete. É um suspense sólido, inteligente e bem montado, que tem fluidez mesmo ambientado num mesmo espaço confinado. John Goodman usa seu tamanho a favor e entrega uma performance assustadora, um contraponto à aparente fragilidade de Mary Elizabeth Winstead. O clímax, obviamente, será divisivo (expectativas, suposições, o pacote completo): a essa altura, é quase impossível não chegar ao cinema com uma bagagem. Mas funciona, empolga e abre espaço para a marca Cloverfield se firmar. E qual foi a última vez que você foi ao cinema e se surpreendeu?

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Sobre o autor

Roberto Sadovski é jornalista e crítico de cinema. Por mais de uma década, comandou a revista sobre cinema "SET". Colaborou com a revista inglesa "Empire", além das nacionais "Playboy", "GQ", "Monet", "VIP", "BillBoard", "Lola" e "Contigo". Também dirigiu a redação da revista "Sexy" e escreveu o eBook "Cem Filmes Para Ver e Rever... Sempre".

Sobre o blog

Cinema, entretenimento, cultura pop e bom humor dão o tom deste blog, que traz lançamentos, entrevistas e notícias sob um ponto de vista muito particular.