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Com energia anárquica, Angry Birds traduz bem o app para o cinema

Roberto Sadovski

11/05/2016 05h36

 

Demora um pouco, só lá pelo terceiro ato, que Angry Birds – O Filme abraça sua origem e dispara com um estilingue aves que não voam em casas, construções (e cabeças) de porcos verdes. O desafio dos realizadores da versão para cinema do aplicativo que, há alguns anos, tornou-se febre para quem passa o dia colado em seu smartphone era justamente desenhar um caminho para que a ação em cena finalmente alcançasse o terreno familiar do app. Para isso, os diretores Clay Kaytis e Fergal Reilly (que passam para o comando de um longa depois de anos nos bastidores de filmes como Bolt, Detona Ralph e Frozen) precisavam encontrar uma história que não ficasse no caminho do que caracteriza os "pássaros furiosos". Com o agravante de, desta vez, a plateia ficar do lado passivo da equação.

A solução fica no meio do caminho. Se Angry Birds demora a entregar o ouro, ao menos a causa é justa. Não que o texto de Jon Vitti (veterano que já emprestou o lápis a shows como Saturday Night Live, Os Simpsons e The Office) seja um primor de originalidade. A trama acompanha Red, o passarinho com raiva que destoa entre seus companheiros felizes na Ilha dos Pássaros. Ele, na verdade, não tem assim tanta raiva: tem é saco cheio de tanta gente (!) folgada a seu redor. Depois de "estragar" a festa de um filhote (estranho encontrar as palavras para definir a passarada), Red é condenado a enfrentar aulas de controle de raiva. É onde ele conhece outros esquentadinhos: o apressadinho Chuck, o auto-explicativo Bomba e Terêncio, que é volume, ameaça e silêncio em um único pacote.

No começo tudo é amizade…

Parte do trabalho da equipe criativa foi abreviada pela própria concepção dos personagens para o aplicativo. A personalidade de cada um foi desenhada de acordo com suas habilidades no jogo, e a boa química entre o trio ajuda a acompanhar a trama. O gatilho é a chegada do porco Leonard e seus ajudantes à ilha, trazendo quinquilharias inúteis, como camas elásticas e (vai vendo) um estilingue anabolizado, atreladas à promessas de amizade eterna. O plano, no fim, é roubar os ovos dos pássaros, e os avisos de Red, único que percebe a tramóia, só são ouvidos quando já é tarde. Qualquer semelhança com nações conquistadoras invadindo e pilhando países distantes pode não ser nenhuma coincidência (e não é!), mas Angry Birds está muito ocupado em ser um filme acelerado para a petizada para se preocupar com subtexto.

A boa notícia é que ele triunfa com louvor em ser justamente um filme acelerado para a petizada! Existe uma certa irreverência, alinhada a uma energia anárquica, que distancia Angry Birds das animações cheias de mensagens e de bom mocismo que vem do estúdio do Mickey. As gags são descendentes sem vergonha dos Looney Tunes, e os realizadores não tem o menor pudor em encaixar piadas com fluidos corpóreos e referências a O Iluminado – às vezes na mesma sequência. A velocidade da narrativa (amarrada em pouco mais de 90 minutos de filme), porém, sacrifica o desenvolvimento de outros personagens fora do trio central. Os porcos, principalmente, são "vilões" com zero personalidade – além de seu líder, Leonard, não passam de material para gags, "minions" sem charme. O Mega Águia, protetor da Ilha dos Pássaros, ora é um mito, ora é um super-herói recluso, que nunca deixa claro seu papel.

Eles também ficaram chocados que um app virou filme

Toda a trama, claro, prepara para o clímax, quando filme e aplicativo se encontram. A desculpa pode parecer boba, mas é um barato ver os pássaros com diferentes habilidades fazendo o que milhões (?) de pessoas em todo o mundo gastaram horas e a ponta dos dedos fazendo: destruindo porcos verdes. Matilda (a passarinha branca) dispara bombas pelo traseiro sem uma única explicação? Beleza, é certo que a meninada no cinema vai aplaudir de pé ­– mesma reação quandoas casas e prédios e palácios dos porcos desabarem feito castelo de cartas quando atingidos por um pássaro em fúria, quicando e disparando seu poder. É ridículo, é exagerado e também é divertido. O que é exatamente o ponto.

Tecnicamente, Angry Birds é um arraso. O design esquisito funciona a favor do tom anti-fofura que o filme procura. A animação, clara e cristalina, não é menos que brilhante, com penas, plantas, palha, água e fogo combinados em um ambiente pequeno e contido – a Ilha dos Pássaros e a Ilha dos Porcos são sets de Lego esperando para sair da gaveta! Angry Birds – O Filme é, afinal, um produto em uma linha de montagem. Mas não significa que este produto não possa ser bonito e bacana. Ok, não tem a profundidade e a pegada emocional de outras animações que pousam (sem trocadilho… ok, só um pouco) no cinema a cada temporada. Nem precisa: alguns filmes só precisam de pássaros em fúria destruindo coisas para funcionar.

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Sobre o autor

Roberto Sadovski é jornalista e crítico de cinema. Por mais de uma década, comandou a revista sobre cinema "SET". Colaborou com a revista inglesa "Empire", além das nacionais "Playboy", "GQ", "Monet", "VIP", "BillBoard", "Lola" e "Contigo". Também dirigiu a redação da revista "Sexy" e escreveu o eBook "Cem Filmes Para Ver e Rever... Sempre".

Sobre o blog

Cinema, entretenimento, cultura pop e bom humor dão o tom deste blog, que traz lançamentos, entrevistas e notícias sob um ponto de vista muito particular.