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Fantasia épica Warcraft fracassa em transformar o jogo em um filme coeso

Roberto Sadovski

01/06/2016 05h02

Vamos tirar o elefante da sala. O fato de Warcraft ser a adaptação de um game de sucesso é irrelevante. Não existe nenhuma "maldição" a ser quebrada na sinuosa trajetória do salto de jogos para o cinema. O que se reproduz mais uma vez nesta fantasia épica, conduzida pelo diretor Duncan Jones, de Lunar e Contra o Tempo, é a falta de habilidade em transformar os elementos da aventura interativa em uma narrativa coesa, vagamente interessante ou envolvente. O triunfo de Jones é somente arrumar tantos nomes, personagens, lugares e eventos em uma história com começo, meio e, vá lá, fim. Isso de faz de Warcraft um produto bem embalado. Mas não necessariamente um bom produto.

A verdade é que World of Warcraft, que chegou a ser o jogo online com mais participantes do mundo (já foram quase 12 milhões, número hoje reduzido para menos da metade), não é exatamente uma proeza narrativa. É uma salada que mistura o vocabulário da fantasia, de mundos estranhos e criaturas fantásticas, com uma profusão de guerreiros, magos, elfos e orcs. Estes últimos, invasores de uma dimensão morta que chegam à terra de Azaroth por um portal mágico com o objetivo de fixar residência – e eliminar os moradores atuais. Para combater esta Horda, o rei Llane (Dominic Cooper) enlista seu maior guerreiro, Lothar (Travis Fimmel, da série Vikings), e o manda em busca do mago Medivh (Ben Foster) para determinar a natureza do inimigo e como combatê-lo.

Travis Finnel na armadura de Lothar. Um guerreiro, só pra deixar claro…

Do lado dos orcs, uma coleção de Hulks digitais com presas de elefante, Durotan (Toby Kebbell, como seus colegas, dando vida ao personagem digital por meio de captura de movimento) questiona não só a eficiência do método de eliminar humanos mas também os verdadeiros motivos da invasão liderada pelo mago orc Gul'dan (Daniel Wu). Junte a isso algumas cenas de combate bem engendradas (Jones sabe como dirigir ação sem que os efeitos se tornem uma massa digital confusa), uma historinha de amor forçada (um dos vértices é Paula Patton, como uma orc mestiça, que parece ter dois tic tacs enormes no maxilar e fala como se estivesse com a boca cheia de farofa) e uma jornada do herói que nunca deixa claro quem exatamente seria este herói, e o resultado é Warcraft.

O problema é que essa história já foi contada antes, e antes foi muito melhor. Desde que Peter Jackson levou O Senhor dos Anéis aos cinemas, há já distantes quinze anos, arriscar um épico de fantasia é tarefa inglória. Jackson injetou vida à sua trilogia ao ter paciência em apresentar o mundo de J.R.R. Tolkien e seus habitantes. Como cada um tinha um arco dramático claro, era fácil se importar com eles, com seus dilemas e com a consequência de seus atos. A emoção era genuína. Warcraft, por outro lado, tem pressa em mostrar pessoas, reinos e criaturas como quem está num vagão de metrô que mal para nas estações. Emocionalmente inerte, fica difícil dar a mínima com o que acontece. Na aventura tecida por Jones, personagens vem e vão, morrem e se transformam, amam e odeiam, com zero registro dramático. O gancho óbvio para uma continuação também perpetua o péssimo hábito dos blockbusters atuais em deixar para depois a história que precisa ser contada hoje.

O que sobra é uma aventura épica cara e bem produzida. Tirando o design terrível da orc Garona (Paula Patton, a dos dentes de tic tac), o mundo de Warcraft ganha vida com o mérito que algumas centenas de milhões de dólares podem comprar. O 3D é eficiente. Os cenários digitais funcionam. Uma pena que, com a pressa em armar a trama e não amarrar as ideias, não sobre nenhum tempo para apreciar a paisagem. Existe uma versão com 40 minutos a mais em algum cofre da Universal, provavelmente relegada ao lançamento em home video, que deve deixar a geografia mais clara.

O maior pecado de Warcraft, porém, é conduzir com tamanha sobriedade uma trama rasa como um pires, nada original e que não vai muito além de cada clichê não só do gênero, mas copiando pedaços de outros blockbusters como Star Wars e Avatar. O Senhor dos Anéis (mais uma vez) abraça sua vocação épica ao combinar o volume a um mundo fantástico com uma jornada com riscos reais. Game of Thrones, para apontar um exemplo mais recente, segui um caminho oposto, ancorando-se em intrigas palacianas e no equilíbrio político de uma fantasia medieval. Warcraft, por sua vez, é indeciso em que caminho seguir, e essa hesitação impede que o filme de Duncan Jones decole por méritos próprios. Os fãs podem se divertir pescando uma ou outra referência ao jogo. Mas mirar um investimento tão pesado em um naco tão inexpressivo do público não sugere respeito ao material original ou uma aposta ousada: é somente péssimo para os negócios.

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Sobre o autor

Roberto Sadovski é jornalista e crítico de cinema. Por mais de uma década, comandou a revista sobre cinema "SET". Colaborou com a revista inglesa "Empire", além das nacionais "Playboy", "GQ", "Monet", "VIP", "BillBoard", "Lola" e "Contigo". Também dirigiu a redação da revista "Sexy" e escreveu o eBook "Cem Filmes Para Ver e Rever... Sempre".

Sobre o blog

Cinema, entretenimento, cultura pop e bom humor dão o tom deste blog, que traz lançamentos, entrevistas e notícias sob um ponto de vista muito particular.