O cinema precisa de mais blockbusters bocós como o novo Independence Day
Roberto Sadovski
23/06/2016 06h28
Em 1996, você se sentiria culpado se não fosse ao cinema para conferir Independence Day logo no dia da estreia. O filme de Roland Emmerich era tão onipresente, com uma campanha de marketing tão esperta e avassaladora, que a bilheteria de 817 milhões de dólares, a maior do ano, não foi surpresa alguma. Tudo isso para uma ficção científica travestida de cinema catástrofe, em que o prazer não era apenas ver como a humanidade repeliria uma invasão alienígena: era, também, conferir qual prédio/monumento famoso viraria pó ante a tecnologia destrutiva dos visitantes. Funcionou. Id4 fez de Will Smith um astro, elevou Emmerich ao primeiro time de diretores de espetáculos cinematográficos e inaugurou uma era de destruição em larga escala que, duas décadas depois, o cinema continua imitando.
A boa notícia é que este Independence Day: O Ressurgimento retoma o mesmo estilo bobão, cafona e irresistível de seu antecessor. Parece que, depois de vinte anos reciclando sua fórmula, mas de maneira bem sisuda (O Dia Depois de Amanhã, 2012), Roland Emmerich reaprendeu a rir do absurdo que ele mesmo criou. Assim como o original, o novo filme abraça uma dúzia de clichês, manda às favas qualquer lógica científica e apresenta a ação num crescendo de caos e destruição, com o volume de absurdos no máximo, utilizando a tecnologia cinematográfica para criar espetáculos de forma plena. A má notícia, porém, é que nada neste Ressurgimento recria a sensação de novidade e espanto tecida no já distante 1996. Uma coisa de cada vez.
A cronologia do novo filme espelha a realidade, quando o mundo comemora vinte anos da vitória arrasadora contra os invasores alienígenas. Sua tecnologia espatifada na Terra foi pilhada pela humanidade, resultando em máquinas híbridas que permitiram a conquista do espaço em velocidade recorde. À frente da pesquisa e defesa do planeta está David Levinson (Jeff Goldblum, esbanjando charme e voltando aos blockbusters de onde ele nunca deveria ter saido), menos preocupado com a festa, mais voltado a investigar o motivo de uma das naves dos ETs, a única que pousou em nosso planeta, estar ligada como uma árvore de Natal após anos de inatividade. É o primeiro sinal de que os alienígenas estão voltando, de maneira ainda mais implacável. Sua presença, por sinal, é sentida por quem teve um contato imediato com as criaturas, o ex-presidente Thomas Whitmore (Bill Pullman) e o cientista Brakish Okun (Brent Spiner), que sai do coma onde foi deixado no filme anterior sem perder o jeitão de professor Pardal.
Já o elenco moderno sequer arranha o carisma dos veteranos. O principal é Jake Morrison (Liam Hemsworth), que trabalha na estação lunar e namora a filha de Whitmore, Patricia (Maika Monroe, de Corrente do Mal). O trio é completado por Dylan Hiller (Jessie T. Usher), filho adotivo do personagem de Will Smith – que, na linha do tempo do filme, morreu em 2006 ao testar o primeiro protótipo de um jato modificado com tecnologia alien. Os três mal registram como personagens quando a invasão começa, desta vez com uma nave que literalmente toma metade do planeta. Caos e destruição tomam conta, mesmo que os efeitos digitais orquestrados com habilidade por Emmerich não cheguem perto do impacto causado pelas maquetes explodidas no filme original.
Ressurgimento usa, por sinal, o mesmo expediente de Star Wars: O Despertar da Força. Da mesma forma que J.J. Abrams seguiu o Guerra nas Estrelas original passo a passo, Emmerich não tem o menor pudor em se auto-plagiar. O novo filme imita a aventura de 1996 como um relógio, com o mesmo timing de destruição, seguido do plano estapafúrdio dos sobreviventes até o clímax bombástico com uma batalha aérea entre as forças da Terra e os invasores malvados. Sim, um cachorrinho é salvo de uma bola de fogo. Sim, Bill Pullman acha espaço para outro discurso inspirador (que, admita-se, não chega aos pés do primeiro). O bacana é que Ressurgimento não tem a menor vergonha em assumiu seu exagero e apresentar sequências mais e mais absurdas, com um monstrão gigante em seu clímax que não faria feio em nenhum sci-fi B dos anos 50.
O que, na verdade, é bem o objetivo de Emmerich. Nos últimos anos, os "filme de verão" ianques vem se tornado espetáculos sóbrios e "realistas", com uma preocupação cada vez maior de dar uma base científica sólida para justificar a ação em cena. Os filmes de super-heróis seguem essa pegada, assim como a ficção científica cabeçuda liderada por Christopher Nolan. Mesmo Perdido em Marte, que Ridley Scott dirigiu ano passado, tentou ser o mais preciso cientificamente possível, apesar de Matt Damon humanizar a coisa com um senso de humor insuspeito. Independence Day: O Ressurgimento segue totalmente na contra mão. Não existe a menor preocupação em explicar a ciência em cena (e não tem como, é tudo de mentirinha). Os personagens não se comportam como se o destino do planeta estivesse em jogo, já que acham espaço para ironia e tiradas engraçadinhas (boa parte cortesia de Judd Hirsh, que volta como o pai do personagem de Goldblum). Tudo é tratado de maneira ligeira, o que fica mais evidente pela total ausência de uma contagem de corpos, mesmo com metade da Terra varrida pela chegada dos ETs. O gancho sem vergonha no final para uma continuação mostra que Emmerich gostou de voltar a brincar nesta caixa de areia – o que é ótimo para o cinema-espetáculo.
Resta saber, claro, se o público segue na mesma pilha. Independence Day era o filme a ser visto em 1996; Independence Day: O Ressurgimento chega aos cinemas sem uma fração do burburinho que acompanhou o filme original. Talvez seu grande inimigo seja ele mesmo: ID4 fez escola, destruição em larga escala virou regra. Só este ano, para ter idéia, já vimos cidades reduzidas a pó em Batman vs. Superman, em X-Men: Apocalipse e até em Tartarugas Ninja: Fora das Sombras. Ressurgimento parece trilhar um caminho familiar, mesmo que tenha a moral de fazer par com o filme que disparou o gatilho do cinema catástrofe moderno. A seu favor, Roland Emmerich acha espaço para injetar a tão afamada "representatividade" em seu filme, com casais gays, interraciais, jovens e velhos, todos vivendo em um mundo que não tem mais espaço para nenhuma mesquinharia. Além disso, o filme ainda traz bom humor e um senso de espetáculo inconsequente que o cinemão parece ter deixado para trás. Em uma temporada sedenta por entretenimento, com plateias plurais ansiosas por reconhecimento, pode ser mais que suficiente.
Sobre o autor
Roberto Sadovski é jornalista e crítico de cinema. Por mais de uma década, comandou a revista sobre cinema "SET". Colaborou com a revista inglesa "Empire", além das nacionais "Playboy", "GQ", "Monet", "VIP", "BillBoard", "Lola" e "Contigo". Também dirigiu a redação da revista "Sexy" e escreveu o eBook "Cem Filmes Para Ver e Rever... Sempre".
Sobre o blog
Cinema, entretenimento, cultura pop e bom humor dão o tom deste blog, que traz lançamentos, entrevistas e notícias sob um ponto de vista muito particular.