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Com Julieta, Pedro Almodóvar finalmente volta a fazer um filme bom!

Roberto Sadovski

06/07/2016 05h06

Há muito tempo que Pedro Almodóvar, o maior cineasta espanhol desde Buñuel, parecia uma caricatura de Pedro Almodóvar. A última década lhe mostrou como um realizador preguiçoso, satisfeito em repetir seus mesmos tiques, ao mesmo tempo em que criava veículos descartáveis para sua musa, Penélope Cruz (que fez Volver e Abraços Partidos). O péssimo A Pele Que Habito, um híbrido de terror e ficção científica indeciso em encontrar seu rumo, já havia apontado um tropeço, que viria com a pá de cal Amores Passageiros, uma comédia sem nenhum humor que parecia enterrar o que fora um dos diretores mais festejados do mundo.

A boa notícia é que, com este Julieta, Almodóvar parece ter respirado fundo e reencontrado o foco. Não se via um filme com sua assinatura tão enxuto, tão preciso, tão delicado e tão emocionante desde Fale com Ela, lançado em 2002. Neste drama de alma feminina, o cineasta encontra não uma, mas duas atrizes excepcionais para ancorar sua narrativa. Emma Suárez faz a personagem-título, uma mulher de meia idade que termina de embalar sua mudança para partir para uma nova vida ao lado do namorado, Lorenzo (o argentino Darío Grandinetti), longe de Madri, sua casa por mais de uma década. Um encontro fortuito, porém, abre velhas feridas, e Julieta passa a lembrar o passado em um diário escrito para sua filha há muito distante – neste longo flashback ela ganha o corpo de Adriana Ugarte.

O arrebatador Tudo Sobre Minha Mãe

Aos poucos, a biografia de Julieta e seu relacionamento com a filha, Antía, formam a espinha dorsal de um filme sobre dor e descobertas, sobre maternidade, amor, perda e redenção. O roteiro, que Almodóvar escreveu baseado em três contos da canadense Alice Munro, move-se com dinamismo, uma velocidade que nunca sacrifica a urgência da narrativa. Na verdade, o diretor corta a gordura e não se preocupa com tramas paralelas, concentrando-se em Julieta e sua jornada que passa pelo encontro com seu verdadeiro amor, maternidade, tragédia e a cascata de sentimentos que ela carrega por anos a fio. É entregando-se ao universo feminino que Almodóvar sempre revelou o seu melhor, principalmente quando ele deixa de lado seu lado mais festivo para concentrar-se em histórias sobre personagens complexos, ao mesmo tempo que tão reais.

Pedro Almodóvar começou sua carreira com comédias ligeiras e carregadas de tensão sexual, injetando no cinema espanhol uma urgência revolucionárias, acompanhando o clima de libertação experimentado pelo país após a morte do ditador Francisco Franco. De Labirinto de Paixões (1982) a A Lei do Desejo (1987) ele escreveu um vocabulário próprio e ganhou fama em casa. Mas foi com o arrebatador Mulheres à Beira de um Ataque de Nervos (1989) que o mundo lhe abriu as portas, descobrindo em contrapartida seu universo colorido, muitas vezes absurdo, desavergonhadamente cafona e completamente irresistível. Daí foi um petardo atrás do outro: Ata-Me! (1990), De Salto Alto (1991), Kika (1993) e A Flor do Meu Segredo (1995), que expandiram seu repertório e apontaram uma maturidade artística que gerou três obras primas.

Antonio Banderas e Elena Anaya no equivocado A Pele Que Habito

A primeira foi Carne Trêmula (1997), que trouxe personagens emocionalmente quebrados em busca de algum tipo de redenção – a narrativa acompanha o estado de emergência promulgado por Franco nos anos 70 até chegar ao país colando seus pedaços ao deixar a ditadura. Almodóvar colocou personagens complexos em uma mistura de drama e humor sem perder a conexão com a cultura pop e a irreverência. Estes elementos encontraram sua tradução mais perfeita em Tudo Sobre Minha Mãe (1999) que, na virada do século, converteu-se em seu filme mais completo, uma história poderosa sobre maternidade, perda e a (re)descoberta da esperança. O terceiro de seus filmes mais festejados foi Fale Com Ela, em que a história de duas mulheres entrelaça-se quando marcadas pela tragédia. Parecia, então, que Almodóvar não podia errar.

Talvez essa certeza tenha nublado seu talento, e seus filmes seguintos, embora longe de ser um desastre, pareciam imitações pálidas de sua carreira até então. Em vez de contar histórias, Almodóvar passou a tecer teses emolduradas por filmes excessivamente complexos, em que sua velocidade narrativa parecia se perder. A Pele Que Habito (2011) retomou a parceria com Antonio Banderas, a quem o diretor ajudou a se firmar como ator ainda em seus primeiros filmes. Mas a falta de foco desde terror psicológico nada sutil apontou um cansaço em sua voz como cineasta, que surgia frágil no pavoroso Amores Passageiros (2013). Nada melhor, portanto, do que celebrar este Julieta. É o retorno à grande forma de um diretor que ainda tem muitas histórias para contar.

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Sobre o autor

Roberto Sadovski é jornalista e crítico de cinema. Por mais de uma década, comandou a revista sobre cinema "SET". Colaborou com a revista inglesa "Empire", além das nacionais "Playboy", "GQ", "Monet", "VIP", "BillBoard", "Lola" e "Contigo". Também dirigiu a redação da revista "Sexy" e escreveu o eBook "Cem Filmes Para Ver e Rever... Sempre".

Sobre o blog

Cinema, entretenimento, cultura pop e bom humor dão o tom deste blog, que traz lançamentos, entrevistas e notícias sob um ponto de vista muito particular.