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Matt Damon volta sem novidades a Jason Bourne.... O que não é nada mau!

Roberto Sadovski

28/07/2016 05h06

Em três filmes no papel do espião Jason Bourne, Matt Damon se viu sem memória e perseguido pela CIA (A Identidade Bourne, que Doug Liman dirigiu em 2002), foi forçado a abandonar uma vida fora do sistema ao ser acusado de um crime que não cometera (A Supremacia Bourne, continuação brilhante comandada por Paul Greengrass em 2004) e, finalmente, fechou a conta do seu passado (O Ultimato Bourne, mais uma vez de Greengrass, de 2007). Seria a trilogia perfeita, com começo, meio e fim. Mas não se vira as costas para uma série que rendeu 1 bilhão de dólares, e seu "selo" foi incorporado a mais um filme, O Legado Bourne, com Jeremy Renner no papel de outro espião casca-grossa. Não deu certo. O público queria Bourne. Para isso, o estúdio precisava de Matt Damon. Damon, por sua vez, só entrava no jogo ao lado de Greengrass. Nove anos e muitos "nãos" depois, astro e diretor encontraram o roteiro certo e repetiram a parceria.

E essa é a palavra-chave: repetição. O novo filme, batizado Jason Bourne para assinalar a ruptura com as aventuras anteriores, é uma coleção de grandes sucessos de seus antecessores. Tem conspiradores pelos corredores da CIA, perseguições automobilísticas em meio a cenários impossíveis, muito diálogo e exposição de narrativa com um grupo de pessoas acompanhando a ação em uma dúzia de monitores, Matt Damon lembrando de fragmentos de seu passado, Matt Damon agindo com precisão cirúrgica quando seu mundo explode, Matt Damon chutando traseiros. Ah, e Moby empacotando o conjunto no final. Embora Doug Liman tenha dado o pontapé inicial na série, foi Paul Greengrass quem criou sua assinatura visual, uma espécie de caos controlado captado por câmeras que chacoalham e um estilo narrativo tão único quanto incômodo. Em Jason Bourne, Damon e Greengrass entregam, portanto, exatamente o que o público espera da parceria Damon e Greengrass sob a marca Bourne.

Em cena típica de Bourne, Tommy Lee Jones e Alicia Vikander observam monitores….

O que, obviamente, corta para os dois lados. O Ultimato Bourne já havia encerrado de maneira brilhante a jornada do personagem, que não só descobriu sua verdadeira identidade como conseguiu fazer um arremedo de paz com seu passado. Ponto final. Jason Bourne parece ser, portanto, um filme supérfluo. E de fato seria, se Greengrass não tivesse habilidade para colocar tantas engrenagens em movimento. A trama principal – a relevação dos verdadeiros motivos que levaram Bourne ser voluntário para tornar-se o assassino perfeito – de cara puxa uma história de vingança envolvendo outro espião/assassino a mando do governo. Além disso, o diretor acha espaço para  salpicar um problema bem real em seu roteiro (escrito a quatro mãos com Christopher Rouse): a possibilidade da total perda de privacidade diretamente proporcional ao volume cada vez maior de pessoas conectadas pela internet. O texto traz referências a Edward Snowden, mostra que o campo de batalha da espionagem é tão intenso no universo virtual quanto nas ruas de uma metrópole e defende que a balança que equilibra segurança nacional e liberdade individual é bem tênue.

A história começa com uma hacker, Nicky (Julia Stiles), que deixou a CIA depois de estar diretamente envolvida com a caçada a Jason Bourne. Ela busca arquivos confidenciais da Agência de Segurança para expor na internet suas operações clandestinas. Quando dá de cara com as pastas sobre a operação Treadstone (que criou Bourne) e a identidade de um de seus arquitetos, ela parte em busca de Jason para lhe dar oportunidade de parar de se culpar pelas mortas em suas mãos. A ação de Nicky, porém, dispara um alerta cibernético na CIA, colocando em sua trilha uma especialista em crimes digitais, Heather Lee (Alicia Vikander, que não esboça um sorriso em duas horas de filme) e do próprio diretor da agência, Robert Dewey (Tommy Lee Jones, que eu acho incapaz de esboçar o mesmo sorriso). Enquanto a primeira acredita que Bourne pode ser trazido de volta às operações da CIA, o segundo quer puxar o gatilho e acabar com o problema. Para isso, convoca outro assassino, interpretado por Vincent Cassel, que tem uma conta pessoa a acertar com Bourne.

Julia Stiles de volta à ação com Matt Damon

Com este tabuleiro em mãos, Greengrass estica uma trama global, que vai da Grécia a Berlim, passando por Londres até um c;ímax espetacular em Las Vegas. Mesmo que o roteiro seja esquemático e não tenha nem de longe o impacto dos filmes anteriores, o diretor o emoldura com cenas de ação imprevisíveis e devastadoras, que ainda assim são fundamentais para a fluidez da trama. E não há quem arquitete ação no cinema do século 21 como Greengrass. Não basta a ele criar uma perseguição entre Cassel (de carro) e Damon (numa moto) pelas ruas de Atenas: ele arma a cena em meio à crise política da Grécia, com centenas de manifestantes em choque com a polícia nas ruas. É tanta gente, com tanta coisa acontecendo (carros incendiados, multidões marchando com bandeiras e coquetéis molotov, a polícia em repressão pesada) que a impressão é que o filme foi rodado de maneira clandestina em meio ao caos real. Em Las Vegas, uma segunda perseguição (Damon num carro esporte; Cassel num blindado da SWAT) impressiona não só por seu poder de destruição (a certa altura carros na avenida central da cidade parecem pinos de boliche) como por toda a técnica envolvida.

Jason Bourne, entretanto, não é desprovido de problemas. Lidar mais uma vez com a memória errática do protagonista para iludí-lo de volta ao jogo parece um repeteco de tudo que foi mostrado nos filmes anteriores. E mesmo com toda a pirotecnia cibernética, a ação desdobrada em telas de computador e no mundo digital, o clímax chega com uma boa e velha cena de luta, brutal e sangrenta, mas também vulgar ante o filme que até então se desenrolou. Parece que Damon e Greengrass buscaram uma história competente para amarrar as cenas de ação mas terminaram com uma trama que nunca surpreende. A boa notícia é que o filme termina com essa parte da vida de Bourne definitivamente encerrada. O personagem ganha espaço para, quem sabe, retornar em um cenário realmente inovador. Jason Bourne, assim, parece um mal necessário, um "capítulo do meio" que garante a seus criadores liberdade para explorar novas fronteiras. Confesso um certo cansaço com filmes que parecem existir unicamente como reorganização de cenário para uma aventura posterior. O grande trunfo dos realizadores, que é o estilo único e inimitável de Paul Greengrass, torna-se uma muleta: ele entrega o que a plateia espera, mas ao mesmo tempo se priva de experimentar novos territórios. É um produto que explode em sabor, mas tem baixo valor nutritivo. Mas quem dera que todo produto cinematográfico calculado dessa maneira fosse uma aventura acelerada, tensa e divertida como Jason Bourne.

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Sobre o autor

Roberto Sadovski é jornalista e crítico de cinema. Por mais de uma década, comandou a revista sobre cinema "SET". Colaborou com a revista inglesa "Empire", além das nacionais "Playboy", "GQ", "Monet", "VIP", "BillBoard", "Lola" e "Contigo". Também dirigiu a redação da revista "Sexy" e escreveu o eBook "Cem Filmes Para Ver e Rever... Sempre".

Sobre o blog

Cinema, entretenimento, cultura pop e bom humor dão o tom deste blog, que traz lançamentos, entrevistas e notícias sob um ponto de vista muito particular.