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Delicado e emotivo, Pequeno Segredo leva o Brasil ao Oscar com dignidade

Roberto Sadovski

23/09/2016 06h39

Uma família brasileira, que decidiu desbravar o mundo num barco, adota a filha de um casal amigo. Infectada com HIV desde o nascimento, a menina cresce num ambiente amoroso, encara as agruras da pré-adolescência de maneira ainda mais feroz por conta de sua condição e, antes de partir, deixa sua marca: uma vida breve, porém vivida intensamente. Isso é um resumo grosseiro de Pequeno Segredo, filme escolhido para representar o Brasil na próxima cerimônia do Oscar. O drama, dirigido por David Schurmann, passou à frente de outros candidatos como Mais Forte Que o Mundo e, mais notoriamente, Aquarius. Como os outros, é um filme digno, acima da média e carrega o cinema nacional de cabeça erguida. Bizarramente, tornou-se alvo de parte da "intelectualidade" tupiniquim por passar longe de debates políticos, por não se aventurar em dilemas sociais. Por ser, veja só, apenas um bom filme.

Vivemos numa época estranha, em que tudo se torna debate político (para não dizer "partidário"). Pequeno Segredo surge como um alento, uma boa história contada de forma profissional e honesta. Falta a ele um certo sangue nos olhos, um momento de catarse em que a plateia pode se erguer em júbilo coletivo? Com certeza. Mas o drama de David Schurmann é um tipo diferente de filme. É confessional, é pessoal, é feito por quem viveu a história. Isso porque o roteiro, que tem Julia Lemmertz em seu centro emocional, é inspirado na vida da família Schurmann, velejadores que ganharam a mídia no Brasil com livros, vídeos e um retrato bem público de suas viagens pelo mundo.

O casal apaixonado Erroll Shand e Maria Flor

A trama, ainda assim, não é documental, já que a biografia traz uma injeção forte de ficção. Com três filhos já adultos, criados em uma vida à bordo por Heloísa (Lemmertz) e Vilfredo Schurmann (Marcelo Antony), a vida parece entrar em ponto morto. É quando o destino coloca o casal de encontro com um neo-zelandês, Robert (Errol Shand), que se apaixonou por uma brasileira, Jeanne (Maria Flor), e a levou para seu país. A crueldade do destino termina por depositar sua filha, Kat, nas mãos dos Schurmann.

A história tem todos os elementos de melodrama, com duas tramas paralelas, narradas em linhas temporais diversas, entrando em choque. Para emoldurar, uma doença incurável (o filme é ambientado nos anos 90, quando HIV e AIDS ainda eram sinônimo de morte certa), um drama familiar pesado (Heloísa, a mãe adotiva, não sabe como contar à filha a verdade sobre sua condição) e até uma proto-vilã, a avó paterna de Kat (a veterana Fionnula Flanagan), retratada como preconceituosa e combativa, que deposita na neta a oportunidade de recuperar o tempo perdido. Ainda assim, David Schurmann, que é o segundo entre os filhos dos velejadores, consegue narrar seu filme a uma distância segura, imprimindo uma boa dose de emoção entrecortada por um certo lirismo. O carisma de Mariana Goulart, que interpreta Kat aos 12 anos, ajuda a trazer ainda mais simpatia.

David Schurmann dirige Mariana Goulart

Talvez aí esteja, sob o olhar de um certo público, seu maior pecado. Enquanto o Brasil vive extrema polarização e um momento político delicado, Pequeno Segredo surge como um alento, um filme delicado que, longe de alimentar o fogo, tenta apaziguar qualquer polêmica sendo apenas um filme – uma boa história, bem ritmada, fácil de seguir, fácil de gostar. É sentimental sem medo, é pessoal sem pedir desculpas. Para uma turma que gosta de sua arte invariavelmente aparelhada e gritante, não poderia existir "golpe" maior do que ter uma obra assim, intimista e falando baixo, representando o país sob o olhar do planeta. O que ainda não é marcado a ferro, já que os nove finalistas para o prêmio só serão revelados em 17 de janeiro de 2017, com os cinco indicados apontados ao lado dos concorrentes em todas as categorias uma semana depois.

As chances, até o momento, são tênues. Para o Oscar do ano que vem, 69 países indicaram seus filmes. Alguns dos sites dedicados a cobrir a premiação, como Indie Wire e Awards Circuit, não aponta Pequeno Segredo nem entre seus vinte favoritos. Neruda (Chile), Forushande (Irã), De Longe Te Observo (Venezuela) e Toni Erdmann (Alemanha) são os títulos que se repetem entre os prováveis indicados. Claro que, a essa altura do jogo, boa parte dos filmes sequer foi exibida – o longa de David Schurmann entrou em cartaz em uma única sala e em um único em Novo Hamburgo, no Rio Grande do Sul, apenas para cumprir as regras da Academia, que deu o prazo de os filmes selecionados serem exibidos em seu país de origem até 30 de setembro. A estreia está marcada para novembro. Até lá, veremos quanto fôlego restará aos indignados. A discussão, espera-se, não tardará a sair das trincheiras políticas para voltar, finalmente, ao que de fato interessa: o cinema.

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Sobre o autor

Roberto Sadovski é jornalista e crítico de cinema. Por mais de uma década, comandou a revista sobre cinema "SET". Colaborou com a revista inglesa "Empire", além das nacionais "Playboy", "GQ", "Monet", "VIP", "BillBoard", "Lola" e "Contigo". Também dirigiu a redação da revista "Sexy" e escreveu o eBook "Cem Filmes Para Ver e Rever... Sempre".

Sobre o blog

Cinema, entretenimento, cultura pop e bom humor dão o tom deste blog, que traz lançamentos, entrevistas e notícias sob um ponto de vista muito particular.