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Kéfera merecia um filme melhor do que É Fada! em sua estreia como atriz

Roberto Sadovski

06/10/2016 09h00

Querida Kéfera.

Tudo bem? Conversamos há alguns dias, por conta do lançamento de seu filme, É Fada!. Foi um papo bacana, você me pareceu uma jovem (alerta de velho!) interessante e interessada, muito atenta à toda movimentação em torno de você e realmente apaixonada por cinema, por essa nova etapa de sua carreira que agora se abre diante de ti. Sei que você tem milhões de seguidores no you tube, sei que você é o mais próximo que temos de celebridade/fenômeno pop moderno por aqui. Acho legal, de verdade, que o you tube tenha lhe dado essa oportunidade de realizar seu sonho – ser atriz, como você mesma repetiu em nosso papo uma dúzia de vezes.

Mas eu assisti a É Fada!, e como meu ofício (também) é escrever sobre os filmes que vejo, acho oportuno a gente ter esse pequeno papo. Você teve um bom padrinho na figura de Daniel Filho e escolheu uma história que a coloca como uma personagem que, para seu público, não é assim tão diferente da Kéfera que aparece em seus vídeos do you tube – no sentido de ser hiperativa, ligeira com as palavras, levemente irritante, o que é compensado com uma pitada de carisma. Assim, eu tenho uma ótima e uma péssima notícia para você.

Primeiro a ótima: você ainda não é a atriz que almeja ser, mas o caminho está bem demarcado. Volto a dizer que você tem carisma, mas ainda bem que, ao contrário de uma Xuxa da vida, existe o interesse em estudar o que você está fazendo, em compor um personagem que seja, vá lá, crível. Geraldine, a fada sem asas, é um poço de defeitos, e ela só não se torna antipática e detestável porque você lhe injeta uma dose de ironia e risco. Ela tem humanidade, e isso não vem por conta do roteiro ou da direção (a gente chega já nisso): o mérito é seu. Se você se dedicar ainda mais a essa profissão, se estudar mais, se apurar técnica, se não ficar refém de sua persona pública e arriscar personagens e filmes diferentes, pode acreditar que o you tube será aposentado rapidinho.

Tudo certo? Ok, agora vamos ao lado péssimo da notícia. Como É Fada! está ancorado em você, seria bacana ficar de olho no cuidado com texto, com narrativa, com a receita básica para fazer um filme. Sei que não é seu papel (você não é produtora, nem roteirista, muito menos diretora). Mas como é sua carreira que está na linha, bater o pé e exigir qualidade seria bem importante. Porque, Kéfera, É Fada! pode ser qualquer coisa, mas filme não é. Não existe nenhum cuidado em criar um arco para os personagens, não existe sequer a tentativa de traçar uma narrativa clara para contar uma história. Os acontecimentos se atropelam simplesmente porque o "roteiro" (com aspas mesmo) pede, mas muitas vezes sem o menor sentido ou a mínima função na história.

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Sem falar que a execução é qualquer nota. É Fada! é mal montado a ponto de personagens se referirem a acontecimentos que simplesmente não estão no filme: cenas que podem ter sido rodadas mas ficaram de fora do corte final. É o tipo de amadorismo que atrapalha a boa vontade em sentar e arriscar uma sessão de seu filme. Cinema, afinal, é movido a paixão e talento, e um não existe sem o outro. Mesmo filmes ruins podem ter uma boa vontade em seus bastidores, mas a coisa degringola em algum ponto do processo. Com É Fada!, a impressão é que seus realizadores amarraram uma história que estava na gaveta de qualquer jeito com o único objetivo de surfar na onda de sua popularidade. Ser um filme infanto-juvenil não é desculpa para desleixo, algo que eu achava que havíamos aprendido com os desastres de Xuxa (ela de novo) no cinema.

Eu estou genuinamente curioso para ver a resposta do público a seu filme. Não sei se um séquito imenso de fãs pela internet é suficiente para encher os cinemas – não foi para o Porta dos Fundos, cujo filme estacionou na metade do público imaginado. Um sucesso de cinema nacional só é saudável para que tenhamos algo que se assemelhe a uma indústria, e mesmo comédias bobinhas sem muito estofo podem cumprir seu papel. Mas acredite quando eu digo que você é muito melhor do que É Fada!. E eu sei que, como uma jovem atriz (sim, já te chamo de atriz numa boa), você tem todo o interesse em fazer filmes bons, divertidos e dos quais você tenha orgulho. Capricha! Estamos de olho.

Cordialmente (alerta de velho 2!),
Sadovski

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Sobre o autor

Roberto Sadovski é jornalista e crítico de cinema. Por mais de uma década, comandou a revista sobre cinema "SET". Colaborou com a revista inglesa "Empire", além das nacionais "Playboy", "GQ", "Monet", "VIP", "BillBoard", "Lola" e "Contigo". Também dirigiu a redação da revista "Sexy" e escreveu o eBook "Cem Filmes Para Ver e Rever... Sempre".

Sobre o blog

Cinema, entretenimento, cultura pop e bom humor dão o tom deste blog, que traz lançamentos, entrevistas e notícias sob um ponto de vista muito particular.