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O mundo amanheceu mais triste: Adam West, o Batman da TV, morre aos 88 anos

Roberto Sadovski

10/06/2017 13h44

Super-heróis são coisa pra criança. Ao menos é isso que meu instinto grita sempre que surge um filme com fortões superpoderosos e fantasiados, querendo posar de "sério" e "realista". Reflexo da infância. Meus tempos de nerd mirim foram embalados por a) Superamigos e, principalmente, pela b) espetacular série de TV do Batman. Era bobo. Com a virada mais sombria do herói nos anos 80/90, virou brega. Depois, ganhou status cult. Tudo semântica. O importante mesmo é que uma geração inteira de fãs de super-heróis foi "educada" com as cores, o POW! e o BANG! e os vilões maiores que a vida do programa dos anos 60. À frente de tudo estava Adam West, dividindo o papel do Homem-Morcego e de seu alter ego, o playboy milionário Bruce Wayne. Aos 88 anos, o Cruzado de Capa perdeu a luta contra a leucemia. E o mundo hoje não consegue esboçar um sorriso.

O que seria a última coisa que West gostaria. Quando ele assumiu o papel do Batman na TV, o mundo era outro. Os Estados Unidos seguiam mergulhados na Guerra do Vietnã, então a TV servia para deixar a população sorrindo, distraída. Batman chegou na ABC em 1966 e logo se tornou símbolo de kitsch, de cafona, de exagero. O sucesso absurdo do programa significou triunfo e tragédia para seu protagonista, já que, com o fim de Batman após três temporadas, West jamais conseguiu com que sua carreira decolasse novamente. Para smepre, para o bem e para o mal, sua imagem estava ligada ao Homem-Morcego de maneira decisiva. Com o tempo, ele fez as pazes com a sombra do herói e aprendeu a abraçar seu legado.

West com Frank Gorshin, Julie Newmar e Burt Ward em Return to the Batcave, de 2003

Nascido William West Anderson em 1928, em Walla Walla, Washington, o ator assumiu Adam West como nome artístico e partiu para o Havaí, começando sua carreira em um programa infantil local. Sua estreia no cinema foi em 1959 em O Moço da Filadélfia, ao lado de Paul Newman. Ainda foi um dos primeiros seres humanos a visitar o Planeta Vermelho em Robinson Crusoé em Marte, de 1964. Ele passou por uma dúzia de séries de TV antes de o produtor William Dozier o escolher (outro "finalista" era o ator Lyle Waggoner) para encabeçar a série do Homem-Morcego. O tom farsesco e a interpretação pausada e pomposa eram características desde o início, tornando-se sinônimo do ator – Nicolas Cage usou um estilo igual ao criar seu Big Daddy para a aventura Kick-Ass.

Apesar de tentar repetir o sucesso com outros papéis após o fim da série, Adam West sofreu com o novo estado do entretenimento nos anos 70 e 80, que trocou o kitsch por um tom mais sóbrio. West parecia uma relíquia de outros tempos, uma curiosidade que poderia comprometer a seriedade de qualquer projeto em que ele tomasse parte. Para pagar as contas, ele se viu obrigado a vestir-se como o Homem-Morcego em feiras automotivas e quermesses (sério), voltando a interpretar o herói na telinha em desenhos animados como As Novas Aventuras do Batman (aquele com o Bat-Mirim) e Super Powers. Quando Tim Burton foi anunciado como diretor da versão "moderna" de Batman no fim dos anos 80, escolhendo Michael Keaton para o papel do herói, West não escondeu sua decepção em não ter sido chamado para o filme, mesmo estando na casa dos 60 anos.

O astro ano passado no lançamento de O Retorno da Dupla Dinâmica

A novíssima geração redescobriu Adam West já como figura cult, tranquilo com seu legado . "Alguns anos atrás eu cheguei a um acordo com o Batman", disse à Variety. "Houve uma época em que o Batman me impediu de ter alguns papéis importantes, já que minha presença desviaria a atenção da história. Decidi que, se tanta gente ama o Batman, então eu também poderia amá-lo. Por que não?" Em 1994 ele publicou Back to the Batcave, biografia com os bastidores da série, com histórias incríveis sobre dinheiro, sexo e poder – vale a leitura em seguida de Boy Wonder: My Life in Tights, escrito por Burt Ward, que interpretou Robin na série. O telefilme Return to the Batcave: The Misadventures of Adam and Burt, de 2003, amarrou sua biografia em uma aventura mezzo documental, mezzo fictícia, que trouxe outros veteranos da série como Frank Gorshin, Julie Newmar e Lee Meriwether.

Sempre bem humorado, e sempre atencioso com os fãs, Adam West era ativo nas redes sociais e nunca deixava de responder aos curiosos – como eu, que vez por outra puxava papo com o astro e, para total espanto, sempre tive resposta. Orgulhoso de seu legado, West teve como último grande papel o do prefeito de Quahog na animação Family Guy – o personagem foi batizado, claro, Adam West! Como o mundo gosta de amarrar as lendas em círculos, os últimos trabalhos do astro foram, mais uma vez, como Batman: na animação O Retorno da Dupla Dinâmica, criada no estilo da série dos anos 60 e lançada ano passado, e Batman vs Two Face, que traz o único vilão nunca retratado no programa de TV. Em algum lugar, Adam West está sorrindo. E nos fazendo sorrir.

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Sobre o autor

Roberto Sadovski é jornalista e crítico de cinema. Por mais de uma década, comandou a revista sobre cinema "SET". Colaborou com a revista inglesa "Empire", além das nacionais "Playboy", "GQ", "Monet", "VIP", "BillBoard", "Lola" e "Contigo". Também dirigiu a redação da revista "Sexy" e escreveu o eBook "Cem Filmes Para Ver e Rever... Sempre".

Sobre o blog

Cinema, entretenimento, cultura pop e bom humor dão o tom deste blog, que traz lançamentos, entrevistas e notícias sob um ponto de vista muito particular.