Com o pavoroso Baywatch, o filme, a zoeira finalmente encontra seu limite
Roberto Sadovski
15/06/2017 01h23
Existe um par de observações a fazer sobre Baywatch: S.O.S. Malibu, versão para o cinema da série de TV dos anos 90. Primeiro, o filme é horrível. Doloroso, até. Facilmente um dos piores que o ano vai arremessar sobre plateias incautas… mas logo voltamos a ele. Segundo, Baywatch não é o problema, e sim o sintoma de um mal ainda maior que assola o cinemão desde sempre. Da falta de ideias? Com certeza, mas regurgitar e repaginar um conceito antigo não é exatamente um pecado. A coisa complica mesmo quando um produto é jogado no mercado sem que seus criadores façam a menor ideia pra que ele serve. Quando este produto é fruto de um pensamento de comitê que deixa visão criativa e coesão narrativa de lado, privilegiando a crença de que, se existe meia dúzia de interessados em qualquer propriedade intelectual, é só colocar o bloco na rua que os foliões seguirão. Baywatch naufragou nas bilheterias. Os foliões, aparentemente, preferiram Netflix e um cobertor.
Melhor começar com a real. A série praiana S.O.S. Malibu, com David Hasselhoff pós-Super Máquina "patrulhando" as areias da costa californiana, é notória pelas tomadas infinitas das beldades de seu elenco correndo pela praia em câmera lenta em maiôs que desafiavam a lei da gravidade. E só: desafio qualquer um a lembrar do plot de qualquer episódio. Lógico que, nessa linha de pensamento, uma adaptação para cinema pós-moderna, cheirando a século 21, carregaria na ironia e na paródia. Afinal, existe alguns modos de repensar um conceito da telinha de outrora para o cinemão de hoje. Miami Vice, por exemplo, gerou um filme extremamente sóbrio, com uma visão bem clara sobre o combate ao narcotráfico (e suas consequências), pelas mãos de Michael Mann. O outro extremo é Anjos da Lei, em que Christopher Miller e Phil Lord criaram um mundo paralelo em que impera a auto referência, anabolizando os aspectos mais absurdos da série que revelou Johnny Depp. Flutuando no vácuo entre estas abordagens, está Missão Impossível, elevada a série bilionária com Tom Cruise à frente – nem séria demais, nem cômica demais.
The Rock e The Hoff: mitos fritando na praia
Baywatch consegue mirar em TODOS os conceitos e falhar miseravelmente em cada um. O filme, dirigido com mão de chumbo por Seth Gordon (Quero Matar Meu Chefe, Uma Ladra Sem Limites), não se furta em zombar de seu próprio conceito: a todo tempo, somos lembrados por algum personagem que, se acontece alguma atividade suspeita na praia, os salva-vidas tem de chamar a polícia, e não investigar a coisa por conta própria. Funcionaria, se a aventura logo não abraçasse uma trama sobre tráfico de drogas e cadáveres na praia sem a menor leveza ou ironia. É como se todos os envolvidos – diretor, produtores, roteiristas, elenco – quisessem fazer filmes diferentes e simplesmente seguiram sua própria cabeça. Poucas vezes uma comédia de ação trouxe uma salada tão indigesta de tom e execução, reduzindo qualquer possibilidade de inteligência com piadas sobre fluidos compóreos, pênis entalados (essa é plágio mesmo de Quem Vai Ficar com Mary?), seios balançando, bebedeira, vômito etc. É como se fosse dado notebooks a um esquadrão de símios e o diretor filmasse qualquer coisas que eles tivessem martelado no teclado.
Resta ao elenco – ou melhor, a Dwayne Johnson – a tarefa de salvar o desastre. Mas nem sua presença boa praça consegue tirar a inércia das cenas de ação ou alguma química com qualquer outro membro do elenco. Que é, por sinal, de chorar. Jon Bass (alívio cômico acima do peso) e Kelly Rohrbach (um avatar da salva-vidas C.J. de Pamela Anderson na série original, de igual talento dramático) são o "casal improvável" do imbróglio, mas é como se nem estivessem em cena. Alessandra Daddario esteve melhor em Terremoto: A Falha de San Andreas – e eu escrevo isso sem um pingo de ironia. A traficante/milionária, interpretada pela estrela indiana Priyanka Chopra, quer ser uma vilã de 007 (o que ela diz em alto e bom som) é inexpressiva e entediante, conduzindo o fiapo de trama com a sutileza do Godzilla (que periga ser melhor ator).
Acredite, com certeza eles se divertiram muito mais do que você…
Apesar de tudo, Baywatch deve mesmo ser lembrado como o filme em que Zac Efron decidiu se despedir da raça humana. No papel de Matt Brody, medalhista olímpico que, depois de jogar a carreira na lama, precisa prestar serviços comunitários como salva-vidas, Efron é o retrato da jornada do herói. Começa como moleque arrogante, metido e egoísta, mas passa a valorizar o trabalho em equipe e encontra uma nova família (é, contei o filme todo). O ator revelado em High School Musical (acredite, a referência é a ÚNICA piada engraçada do filme) já provou ser um artista talentoso e carismático. Mas ele deve ter confundido seu papel com o de Dwayne Johnson e transformou seu corpo em uma massa amorfa de músculos, completa com queixo quadrado e pele de aspecto cadavérico, como couro seco esticado sobre ripas de madeira. Efron, como o aluno mais aplicado da Escola Bambam de Marombismo, mal consegue caminhar direito, quanto mais convencer como campeão olímpico de natação. Seu rosto, cheio de ângulos retos, é como um boneco Ken depois de levar uma surra do Falcon. Sempre que ele está em cena sua aparência supera todo e qualquer esforço narrativo que Baywatch possa ter – e, acredite, ele está em todas as cenas.
Você pode encarar Baywatch como uma experiência em forma de filme que não deu certo. Pode abraçar o absurdo e tentar rir da ultraviolência desnecessária ou das piadas nível joãozinho da quinta série. Pode testemunhar um sujeito bacana e carismático como Dwayne Johnson derrapando como nunca antes – respire aliviado, Jumanji parece ser uma surpresa divertida. Pode ser um fã de S.O.S. Malibu e ser uma das sete pessoas dentro do cinema a se empolgar com as cameos completamente desnecessárias de David Hasselhoff (deviam ter lhe dado um papel decente) e Pamela Anderson (demorei alguns segundos para reconhecer a eterna Barb Wire). Pode assistir o que acontece quando Hollywood enxerga uma fileira de números e gasta dezenas de milhões para soprar novo fôlego em uma propriedade intelectual que, basicamente, ninguém está muito a fim de ver (dá pra arquivar CHiPs na mesma categoria). Ou pode simplesmente poupar retinas e neurônios e aproveitar essas duas horas para um bom cochilo. Pode deixar que, quando Colt Seavers, Mark Harris ou Jonathan Chase estiverem num cinema perto de você, eu te acordo.
Sobre o autor
Roberto Sadovski é jornalista e crítico de cinema. Por mais de uma década, comandou a revista sobre cinema "SET". Colaborou com a revista inglesa "Empire", além das nacionais "Playboy", "GQ", "Monet", "VIP", "BillBoard", "Lola" e "Contigo". Também dirigiu a redação da revista "Sexy" e escreveu o eBook "Cem Filmes Para Ver e Rever... Sempre".
Sobre o blog
Cinema, entretenimento, cultura pop e bom humor dão o tom deste blog, que traz lançamentos, entrevistas e notícias sob um ponto de vista muito particular.