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Politizado, Planeta dos Macacos: A Guerra é o espelho de um mundo sem empatia

Roberto Sadovski

03/08/2017 19h42

Vamos abraçar o clichê: Caesar, protagonista de Planeta dos Macacos: A Guerra, é o personagem mais humano que o cinema entrega em muito tempo. Explico. O líder dos macacos na distopia sugerida pela nova trilogia inspirado na obra do francês Pierre Boulet é um espelho do melhor que a humanidade pode oferecer em tempos…. estranhos. Ele é justo, um líder equilibrado, buscando um convívio pacifico com aqueles que são diferentes dele. Neste novo filme, dirigido por Matt Reeves, seu caminho é ainda mais árduo; sua vitória, ainda mais sofrida. Caesar é uma muralha, mesmo quando seu mundo ameaça desmoronar – o que faz parte de sua jornada.

Os paralelos com o mundo real não surgem ao acaso. Em uma época em que certos governos parecem dispostos a aumentar o abismo econômico, social e político entre os povos, Reeves criou um filme sobre empatia e a falta dela. Mais ainda: um filme de guerra em que o conflito maior é interno – de um lado o militar interpretado por Woody Harrelson dividido entre seguir ordens e preservar a humanidade; do outro, Caesar, entre a vingança e o futuro. O paradoxo é o fio condutor da trama, que faz as perguntas que a gente, do lado de cá, repetimos a cada desmando dos "donos do mundo". Qual é, afinal, a limite para que as diferenças entre os povos levem a um conflito irracional?

Matt Reeves dirige Andy Serkis, que usa um traje de captura de performance

Não que Planeta dos Macacos: A Guerra seja um filme intimista de grandes debates filosóficos. Reeves sabe equilibrar ideias e espetáculo, operando num nível de excelência muito acima do blockbuster médio que o cinema entregou este ano. O motivo não é nenhum segredo: em nenhum momento as ferramentas para executar suas ideias surgem mais importantes que narrativa e personagens. O apuro técnico e visual serve para contar uma boa história, e não para maquiar seus defeitos (Michael Bay, tome nota). Ajuda, claro, ter como parceiro o ator Andy Serkis, que apaga qualquer divisão que possa haver entre habilidade dramática e tecnologia.

Caesar é um dos personagens mais complexos do cinema moderno. Tempo é a essência. Sua construção data de Planeta dos Macacos: A Origem, em que ele surge como um animal descobrindo sua inteligência superior. Nos filmes seguintes, O Confronto e este A Guerra, ele evolui como uma ponte entre as duas raças. A plateia "compra" essa evolução com o trabalho sem remendos de Serkis. Atuando com tecnologia de captura de performance, ele prova que nenhuma ferramenta, por mais sensacional, substitui a sensibilidade de um ator. Em suas mãos, Caesar transmite emoção genuína, da fúria quando lhe tiram o que é mais querida à compaixão em entender que sua dor empalidece ante o cenário apocalíptico a seu redor. Acima de tudo, Serkis faz de Caesar um líder genuino, alguém com quem uma parcela da humanidade poderia aprender uma ou outra lição.

Woody Harrelson ao lado de um gorila traidor do movimento

As referências da vida real em Planeta dos Macacos: A Guerra surgem em profusão. No novo filme, Os macacos liderados por Caesar precisam deixar a proteção cada vez mais tênue da floresta para encontrar refúgio onde a influência do homem é mínima. Deixar o ninho é tarefa difícil, já que os últimos resquícios de "civilização" encontram corpo nos soldados liderados pelo coronel interpretado por Woody Harrelson. Mas não existe um plano, uma resistência ao avanço dos símios que pode significar o fim da raça humana: a ordem é eliminar quem é diferente, seja por vingança, por ignorância ou por encontrar a única oportunidade de se reafirmar como "homens" usando a força bruta. Na narrativa, a tribo de Ceasar é aprisionada e forçada ao trabalho braçal, e Reeves não foge dos paralelos com a escravidão que assombra a herança da América, o êxodo bíblico e até o Coração das Trevas de Joseph Conrad – não por acaso o drama Apocalypse Now, adaptação da obra de Conrad que se tornou uma obra-prima de Francis Ford Coppola, é citado literalmente.

Planeta dos Macacos: A Guerra surge, portanto, como uma anomalia. Um blockbuster que, mesmo ancorado numa série prestes a completar 50 anos, não foge da reflexão e do papel de uma obra de arte em contestar, em contextualizar e em refletir o mundo onde vivemos. A ironia não é perdida quando o filme mostra humanos como bárbaros perdidos em sua própria confusão e falta de liderança – o que explode num clímax glorioso e caótico, como todo bom filme de guerra -, enquanto os verdadeiros herdeiros do melhor que a civilização pode oferecer são os animais. Nesta distopia em formação, é com eles que nossas emoções encontram uma conexão.

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Sobre o autor

Roberto Sadovski é jornalista e crítico de cinema. Por mais de uma década, comandou a revista sobre cinema "SET". Colaborou com a revista inglesa "Empire", além das nacionais "Playboy", "GQ", "Monet", "VIP", "BillBoard", "Lola" e "Contigo". Também dirigiu a redação da revista "Sexy" e escreveu o eBook "Cem Filmes Para Ver e Rever... Sempre".

Sobre o blog

Cinema, entretenimento, cultura pop e bom humor dão o tom deste blog, que traz lançamentos, entrevistas e notícias sob um ponto de vista muito particular.