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Original e assustador, Um Lugar Silencioso encontra o terror no silêncio

Roberto Sadovski

05/04/2018 01h19

É engraçado pensar que Um Lugar Silencioso existe basicamente no silêncio: enquanto a ação na tela transcorria com seus protagonistas lutando para não emitir um ruído sequer, eu percebia que a sessão que acompanhava estava absurdamente quieta. Não lembro a última vez em que uma plateia de cinema segurou coletivamente a respiração por 95 minutos. É um testamento à força da direção de John Krasinski, ator lançado com a versão americana da série The Office que, se aos poucos cavou seu protagonista em comédias, e mostrou-se um astro de ação competente em 13 Horas: Os Soldados Secretos de Benghazi, demonstra aqui domínio de narrativa absoluto e capacidade em contar uma história sem gorduras, direto ao ponto, construindo tensão e entregando exatamente o que promete.

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E é exatamente isso que é Um Lugar Silencioso: enxuto e eficiente. Krasinski, trabalhando com uma premissa inteligente e original, criou um "filme de monstro" que serve como exemplo para muito cineasta, muitas vezes bem mais experientes, que perdem mais tempos com os por quês do que com a ação. Suspense é uma engenharia que exige habilidade, e aqui o diretor entende que o crescendo e as pistas sutis de seus personagens são tão (ou mais) importantes que mostrar as criaturas que habitam os pesadelos. O filme começa alguns meses depois de a Terra ser invadida por alienígenas violentos e assassinos, que não parecem ter objetivo mais definido do que eliminar tudo em seu caminho. Cegas, as criaturas se orientam pelo som, então os sobreviventes tem de aprender a viver num mundo silencioso.

John Krasinski enfrenta as feras na frente das câmeras….

É nesse ponto em que encontramos a família já em fuga encabeçada pelo próprio Krasinski e por Emily Blunt (sua mulher também do lado de cá das câmeras), mais três filhos pequenos: uma pré-adolescente que, surda, precisa da ajuda de aparelhos para tentar entender o mundo ao redor; um "filho do meio" constantemente apavorado; e o caçula, de 4 anos, que ainda não compreende as necessidades deste novo mundo. Este pequeno prólogo termina numa tragédia, e quando retomamos a rotina da família, mais de um ano depois, os acontecimentos ainda os assombram. Os conflitos, por outro lado, são mais agudos, seja a adolescente com hormônios em fúria em busca de "seu lugar" (a ótima Millicent Simmonds), seja a personagem de Blunt, agora gravidíssima, sobrevivendo um dia por vez.

O bacana de Um Lugar Silencioso é que não se trata da busca de alguma salvação milagrosa, ou da jornada para um "lugar seguro" mítico. Entrincheirados numa fazenda bucólica, seu único objetivo é tocar a vida e sobreviver. O cuidado para os detalhes no olhar de Krasinski mostra um artista meticuloso e atento às minúcias da narrativa. Seja na areia que seu personagem espalha pela propriedade, criando caminhos em que a família possa caminhar mantendo o silêncio, seja no sistema de luzes e cores que avisa a todos que o perigo está sempre à espreita. A simplicidade da premissa também é catalizador do mais puro terror. É só imaginar, do lado de cá, como seria uma vida dedicada ao silêncio, em que qualquer possibilidade de som vem acompanhada da ameaça de criaturas com as quais é impossível usar lógica ou razão.

… e dirige seu elenco atrás delas

O resultado, por fim, é uma experiência exaustiva e absolutamente estressante – elementos básicos para conquistar a plateia em um filme de terror. Esperto, John Krasinski não mostra nenhuma timidez ao usar recursos manjados do gênero, como sustos rápidos e trilha onipresente, para pontuar seu maior aliado: o silêncio. Construir um filme com quase total ausência de diálogos exige domínio de veterano, e o que o ator/diretor ainda não possui em experiência é compensado com entusiasmo e criatividade. Sem falar no design campeão da criatura: a exemplo do assassino espacial de Alien, Um Lugar Silencioso mantém seu monstro oculto boa parte do tempo, ampliando ao máximo o desconforto e o terror de sua revelação. Mesmo que a trama caminhe por caminhos familiares a quem acompanha o cinema de gênero, sua execução faz toda a diferença. Nem o final arrumadinho demais (e emprestado de um certo filme de Tim Burton….) compromete o resultado. John Krasinski surge como um diretor que merece mais atenção, e seu filme de monstro certamente vai resistir à ação implacável do tempo.

Como em todo bom exemplar do gênero, Um Lugar Silencioso apresenta aos poucos elementos familiares que terão utilidade narrativa ao longo do filme, fazendo com que um simples prego fora de lugar numa escada de madeira seja tão apavorante quanto segurar um grito de dor quando uma fera assassina espreita no cômodo ao lado. Krasinski não economiza no sangue quando sua profusão se faz necessária, e não poupa a platéia (ou sua protagonista) quando a natureza segue seu curso e um parto precisa ser realizado da maneira mais desconfortável e tensa possível. Ah, e todos sabemos que bebês não são exatamente os mais quietos dos seres… Tudo isso surge sem que o diretor perca a mão de seu fio condutor, usando um elenco mínimo (basicamente é a família e mais ninguém em cena) e uma única locação – uma cena com pai e filho numa cachoeira é de rara beleza e entrega um instante de beleza que corta a tensão como faca. Essa economia de recursos mostra que, para criar um filme eficiente, não é preciso muito mais do que gente de extremo talento na frente e atrás das câmeras. E isso Um Lugar Silencioso tem de sobra.

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Sobre o autor

Roberto Sadovski é jornalista e crítico de cinema. Por mais de uma década, comandou a revista sobre cinema "SET". Colaborou com a revista inglesa "Empire", além das nacionais "Playboy", "GQ", "Monet", "VIP", "BillBoard", "Lola" e "Contigo". Também dirigiu a redação da revista "Sexy" e escreveu o eBook "Cem Filmes Para Ver e Rever... Sempre".

Sobre o blog

Cinema, entretenimento, cultura pop e bom humor dão o tom deste blog, que traz lançamentos, entrevistas e notícias sob um ponto de vista muito particular.