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Como a Marvel mudou a vida da primeira geração de atores de seu universo

Roberto Sadovski

11/04/2018 22h12

A Marvel já estava no cinema há dez anos quando Homem de Ferro estreou em 2008. Mas o que veio antes, de Blade a X-Men a Homem-Aranha a Homem-Coisa (!), não pode ser considerado MCU, ou Universo Cinematográfico Marvel. O filme de Jon Favreau foi o marco zero, a aposta mais arriscada e também o primeiro grande triunfo do estúdio, que celebra uma década em pouco mais de um mês com a chegada de Vingadores: Guerra Infinita. Curiosamente, a atenção da mídia e do mundo sobre Homem de Ferro na época baseava-se menos no fato de a Marvel seguir uma "carreira-solo", e mais por seu protagonista. Veja bem, em 2008 Robert Downey Jr. era o retrato da Hollywood esfarelada por excessos, um ator de extremo talento que sucumbiu ao caminho do álcool e das drogas e, já limpo, não encontrava espaço no cinemão. As coisas estavam prestes a mudar – não só para Downey. Vamos dar uma espiada onde estavam, e onde estão, a primeira geração de atores que deu vida aos heróis do MCU – de Homem de Ferro a Os Vingadores.

Robert Downey Jr.
(Tony Stark/Homem de Ferro)

Indicado ao Oscar por seu papel em Chaplin, Robert Downey Jr. abraçou uma vida de estereótipos hollywoodianos – e pagou um preço alto. Preso, viu sua influência no cinema e na televisão ir para o ralo. Ele mudou o ato ao casar-se com a produtora Susan Levin (hoje Downey), com quem trabalhou no suspense Na Companhia do Medo. Seu amigo Mel Gibson produziu Crimes de um Detetive para ele, e aos poucos os papéis foram reaparecendo, ainda que timidamente. Downey já havia feito bons novos filmes (Beijos e Tiros, O Homem Duplo, Zodíaco) quando Favreau enxergou nele o Tony Stark perfeito. Mas voltar como coadjuvante é uma coisa, encabeçar um filme tão arriscado e ambicioso é bem diferente, e os investidores da Marvel congelaram. Com a garantia pessoal de Favreau e do produtor Kevin Feige, o ator embarcou no projeto e imprimiu ao protagonista muito de sua própria personalidade. O resto, dizem por aí, é história.

Homem de Ferro foi um sucesso e Downey se viu mais uma vez no papel de astro – não só isso, mas talvez o maior astro do cinema atual. Ele engatou uma segunda série de filmes (Sherlock Holmes) e exercitou seus músculos em filmes tão distintos como O Solista, Um Parto de Viagem, O Juiz (que ele também produziu) e Trovão Tropical, pelo qual recebeu uma indicação ao Oscar de melhor ator coadjuvante. O título "maior astro do mundo", porém, vem mesmo de seu casamento com a Marvel. Downey tinha um contrato de três filmes, que foi alterado para incluir outros, que permanece na mesa à medida em que boas histórias como Tony Stark chegarem a ele. Foi assim que, depois dos três primeiros Homem de Ferro (o terceiro é uma pérola que merece ser redescoberta, trazendo talvez sua melhor performance como Stark) e de Os Vingadores, ele emendou Vingadores: Era de Ultron e não se incomodou em ser o segundo nome do elenco de Capitão América: Guerra Civil, além de encarar um papel pequeno porém vital em Homem-Aranha: De Volta ao Lar. Guerra Infinita marca a oitava vez que veremos Robert Downey Jr. no cinema como o Homem de Ferro. O laço de gratidão dele com a Marvel vai além de um contra-cheque: ele sabe que foi o estúdio, e um certo Vingador Dourado, que lhe devolveram a vida.

Chris Hemsworth
(Thor)

Se existe alguém que abraçou as oportunidades abertas pelo universo Marvel no cinema, este alguém é Chris Hemsworth. Depois de trabalhar na TV em sua Austrália natal, o ator se mandou para Hollywood (com o irmão, Liam) e foi cavando seu espaço. Fez alguns filmes que amargaram anos na gaveta (O Mistério da Cabana, a refilmagem de Amanhecer Violento) e ganhou o papel do pai do capitão Kirk, George, no prólogo do reboot de Star Trek que J.J. Abrams fez em 2009. Ao ser escolhido para dar corpo ao Deus do Trovão em Thor, que Kenneth Branagh comandou em 2011, Hemsworth também viu papéis de todos os tipos caírem em seu colo. E ele foi muito inteligente ao escolher a dedo com quais diretores gostaria de trabalhar. Logo, o ator com cara de modelo se tornaria um astro de 10 milhões de dólares – mesmo que o público ainda não respondesse com o mesmo entusiasmo.

Branca de Neve e o Caçador usou seu carisma, somado às presenças de Charlize Theron e Kristen Stewart, para se tornar um sucesso. Menos sorte, porém, tiveram os pouco vistos Rush (uma pérola dirigida por Ron Howard sobre a vida do piloto de Fórmula Um James Hunt) e Hacker (uma confusão em tom e narrativa dirigida pelo ainda genial Michael Mann). Versátil, Hemsworth também garfou partes em comédias (Férias Frustradas, Caça-Fantasmas) e arriscou um drama épico no belíssimo No Coração do Mar (também de Ron Howard). Mas Thor basicamente ocupou seu tempo nos últimos anos, em Os Vingadores, Thor: O Mundo Sombrio, Vingadores: Era de Ultron e no excepcional Thor: Ragnarok. O futuro vai trazer Bad Times at the El Royale, em que ele divide a cena com Joe Hamm, Dakota Johnson e Jeff Bridges, sob direção do mesmo Drew Goddard de O Mistério da Cabana, e um reboot de Homens de Preto. No fim das contas, Chris Hemsworth se tornou mesmo um astro.

Chris Evans
(Steve Rogers/Capitão América)

O homem das estrelas e listras com um plano já tinha uma carreira sólida antes de entrar no MCU. Na verdade, ele meio que já estava fazia parte da Marvel no cinema antes de Capitão América: O Primeiro Vingador. Nos dois Quarteto Fantástico dirigidos por Tim Story (que são ótimos se sua ótica for a de um moleque de 9 anos de idade), Evans deu vida à Johnny Storm, o Tocha Humana – e devo dizer que defendeu bem o papel com o que tinha em mãos! Sua carreira como protagonista, porém, começou lá atrás, em 2001, no infame Não É Mais um Besteirol Americano, que foi seguido de Nota Máxima (com Scarlett Johansson!), o interessante Celular – Um Grito de Socorro e o drama Sociedade Feroz, antes de encarar seu primeiro super-herói. Quarteto Fantástico abriu portas, e as escolhas de Evans foram se tornando mais interessantes – eu gosto muito tanto de Sunshine, uma ficção científica apocalíptica e claustrofóbica dirigida por Danny Boyle, como de Os Reis da Rua, drama urbano de um David Ayer pré-Esquadrão Suicida.

Engraçado como as adaptações de HQs ainda o chamavam forte (ele fez Os Perdedores e Scott Pilgrim Contra o Mundo), mas O Primeiro Vingador mudou o jogo. Curiosamente, Evans relutou em aceitar o papel – conversamos em três ocasiões distintas antes do lançamento do filme de Joe Johnston, e ele temia estar preso a um personagem por anos a fio. Interpretar o Capitão América, porém, foi um presente. Evans se viu mais livre para buscar projetos ainda mais fora da casinha, como o excepcional Expresso do Amanhã, financiado em parte por tê-lo como parte do elenco, ainda se arriscando como diretor: o drama romântico Before We Go, com Alice Eve, foi o primeiro passo para passar definitivamente para o outro lado das câmeras. Antes disso, porém, ele conclui sua experiência no MCU com Guerra Infinita, despedindo-se do Capitão América (depois ainda dos incríveis O Soldado Invernal e Guerra Civil) no quarto Vingadores, programado para ano que vem. Sendo o coração da equipe, ele vai deixar saudades.

Scarlett Johansson
(Natasha Romanoff/Viúva Negra)

Nascida em uma família de artistas, Scarlett Johansson foi, de todas as coisas, uma "atriz-mirim". Fez uma ponta em O Anjo da Guarda aos 10 anos, foi aplaudida em Meninas de Ninguém aos 12, e dividiu o protagonismo de O Encantador de Cavalos com Robert Redford aos 14. Daí tomou gosto pelo trabalho com diretores laureados e, tirando o terror trash Malditas Aranhas!, foi acumulando um currículo invejável com trabalhos com os irmãos Coen (O Homem Que Não Estava Lá, 2001), Terry Zwigoff (a adaptação da HQ independente Ghost World, também em 2001), Peter Webber (Moça com Brinco de Pérola, 2003) e, finalmente, com Sofia Coppola: Encontros e Desencontros se tornou um dos filmes-símbolo do novo milênio e estabeleceu Scarlett como uma força a ser reconhecida. Antes de entrar no MCU em Homem de Ferro 2, em 2010, ela já havia se tornado uma atriz requisitada, fazendo desde ação futurista (A Ilha, de Michael Bay) a thriller semi-documental (Dália Negra, um escorregão do mestre Brian de Palma) e drama fantástico (O Grande Truque, dirigida por Christopher Nolan). Woody Allen a escalou para três filmes: Ponto Final, Scoop e Vicky Cristina Barcelona. A Viúva Negra só consagrou seu status como protagonista.

E pensar que o papel quase não foi dela. Emily Blunt era a escolhida para interpretar a espião Natasha Romanoff em Homem de Ferro 2, mas não conseguiu se desvencilhar da obrigação de filmar As Viagens de Gulliver, ao lado de Jack Black (que morte horrível). Scarlett fez da personagem sua e, ao longo de quatro outros filmes (Os Vingadores, Capitão América: O Soldado Invernal, Vingadores: Era de Ultron e Capitão América: Guerra Civil) lhe conferiu não só personalidade, mas a colocou em pé de igualdade com seus colegas de cena. No MCU, a Viúva Negra é peça tão importante quanto qualquer outro herói. Mesmo com suas obrigações com a Marvel, a atriz ainda achou tempo para se firmar como estrela de brilho próprio, encabeçando uma ficção científica esquisitíssima (Sob a Pele) e conduzindo outra ficção científica, Lucy, para uma bilheteria de quase 470 milhões de dólares. Agora s´ø falta aquele filme-solo da Viúva Negra, que a Marvel finalmente parece estar tirando da gaveta. Demorou!

Mark Ruffalo
(Bruce Banner/Hulk)

Mark Ruffalo não foi o primeiro Hulk do cinema. Bom, ele sequer foi o primeiro Hulk do MCU! Quando Louis Leterrier dirigiu O Incrível Hulk em 2008, o papel de Bruce Banner foi para Edward Norton. Mas no momento de juntar os Vingadores, a Marvel preteriu Norton (um sujeito notoriamente difícil) em favor de Ruffalo. Aos 45 anos à época, o ator humanizou Banner, conferindo-lhe sensibilidade e mais nuance, sem deixar de lado o aspecto cerebral do personagem. Revelado no delicado Conte Comigo, uma pérola que Kenneth Lonergan dirigiu em 2000, Ruffalo logo se mostrou extremamente versátil. Ele fez o cultuado Brilho Eterno de uma Mente Sem Lembranças, navegando com a mesma facilidade por comédias românticas (De Repente 30, Dizem Por Aí) e dramas urbanos (Colateral, Zodíaco), trabalhando em filmes de grande escala (Ilha do Medo, de Martin Scorsese) e projetos independentes (o sensível Minhas Mães e Meu Pai). Sem falar que é uma figura muito bacana: em São Paulo para rodar Ensaio Sobre a Cegueira, ele foi, com a mulher, ao Espaço Parlapatões assistir a uma peça de um dos figurantes do filme de Fernando Meirelles.

Os Vingadores foi uma via de mão dupla para Ruffalo. Ao mesmo tempo em que ele fez com que o Hulk se tornasse popular como nunca, o filme também garantiu ao ator paz de espírito. "Posso pela primeira vez planejar a faculdade de meus filhos", brincou, certa vez, sobre o bônus de fazer parte de uma série milionária. E o Gigante Esmeralda ganhou traços pouco explorados até nos quadrinhos, ensaiando um relacionamento com a Viúva Negra em Era de Ultron (em uma sequência tocante, Banner explica a Natasha sua impossibilidade de ter filhos e constituir família e uma vida normal), preferindo isolar-se ao fim da aventura. Já em Thor Ragnarok, o Hulk surge com a inteligência de uma criança de 2 anos, e o trabalho corporal de Ruffalo, como Banner e como seu alter-ego, ajuda a "vender" a narrativa. Assim como, fora do MCU, o ator continue a mostrar por que é um dos melhores de sua geração. É só conferir seu trabalho em Foxcatcher, Sentimentos que Curam, Mesmo se Nada Der Certo (filmaço!) ou Spotlight. Já os dois Truque de Mestre você pode deixar de lado sem medo…

Jeremy Renner
(Clint Barton/Gavião Arqueiro)

Jeremy Renner teve dois começos no cinemão. O primeiro veio com S.W.A.T., adaptação da série de TV como antagonista de Colin Farrell, em 2003. Depois de anos amargando pontas na TV e em filmes nanicos, parecia o big break do ator…. e nada aconteceu. "Voltei a completar a renda como garçom", lembra, em tom jocoso. Se 2007 trouxe mais vulto à sua carreira (ele fez Extermínio 2 e O Assassinato de Jesse James), no ano seguinte Renner encarou um projeto super independente da diretora Kathryn Bigelow, sobre soldados de uma equipe anti-bombas na Guerra do Iraque – e o impacto do conflito em sua mente ao voltar para casa. Guerra ao Terror cresceu e surpreendeu, levando o Oscar de melhor filme no ano seguinte e deixando o ator com uma indicação a melhor ator. Daí ele não teve mais de voltar aos restaurantes como funcionário, emendando Atração Perigosa (e mais uma indicação à estatueta dourada, agora coimo coadjuvante) e Missão Impossível: Protocolo Fantasma, quase roubando o show de Tom Cruise. No mesmo ano, 2011, fez uma ponta em Thor como o agente da S.H.I.E.L.D. Clint Barton, garantindo seu lugar entre os Vingadores no ano seguinte.

Duas tentativas frustradas de começar outras séries (O Legado Bourne e João e Maria: Caçadores de Bruxas, este um sucesso gigante no Brasil….) não estremeceram em nada sua carreira. Renner não vê o menor problema em alternar projetos de estatura colossal com filmes independentes, usando sua status como astro da Marvel muitas vezes para ajudar a financiar longas menores. Ele produziu dois filmes, O Mensageiro (em que também atuou) e Fome de Poder (com Michael Keaton, sobre um dos criadores do McDonald's), e continuou fazendo filmes de prestígio como Trapaça, Era Uma Vez em Nova York e os inacreditáveis A Chegada e Terra Selvagem. Jeremy Renner já disse dúzias de vezes que não acharia uma má ideia levar o Gavião Arqueiro para a telinha, colocando o herói como protagonista de uma série no Netflix, ao lado de outros guerreiros urbanos como o Demolidor e Luke Cage (seria uma ótima ideia, por sinal!). Os fãs assinam embaixo: a maior, para não dizer a única, reclamação sobre Vingadores: Guerra Infinita até agora é a total ausência do Gavião de todo material promocional do filme. Seria Thanos à prova de…. flechas?

Bônus round!!!

Tom Hiddleston
(Loki)

Ok, Loki não é exatamente um herói, mas é inegável que o personagem construído por Tom Hiddleston é um dos pilares do MCU, com sua influência vindo de Thor até Os Vingadores, quando ele chama a atenção de Thanos para a Terra. Detentor de duas (!) Jóias do Infinito na aventura dirigida por Joss Whedon, Loki talvez seja o maior vilão que os heróis já enfrentaram – e vai saber o que ele está tramando em Guerra Infinita, mesmo após entregar o Tesseract, que contém a Jóia do Espaço, ao Titã Louco. Tendo começado sua carreira nos palcos ingleses, Hiddleston passou para a TV britânica em uma série ao lado de Kenneth Branagh. Quando este foi convidado pela Marvel para dirigir Thor, chamou o colega para um teste pelo papel principal, mas tanto diretor quanto ator quando estúdio logo perceberam que ele estava mais apto a abraçar o papel do vilão – decididamente mais saboroso! Ah, ele levou o termo "abraçar " tão à série que surgiu, no palco principal da Comic-Con de San Diego, paramentado como Loki para delírio da plateia.

Thor foi o começo da "conquista do mundo" por Tom Hiddleston, que no mesmo ano trabalhou para Woody Allen (Meia-Noite em Paris) e Steven Spielberg (Cavalo de Guerra), equilibrando a partir daí um retorno aplaudido ao teatro e à TV, além de novos papéis no cinema – do refinado Amantes Eternos, de Jim Jarmusch, ao decepcionante Colina Escarlate, de Guillermo Del Toro, chegando ao puro prazer pop de Kong: A Ilha da Caveira, que coloca o ator em outro universo cinematográfico, desta vez juntando King Kong, Godzilla e mais uma pá de criaturas fantásticas. Uma carreira celebrada por Hiddleston, que não cansa de celebrar sua paixão pela arte de atuar – e sua gratidão pela Marvel ao lhe conceder um palco global. O futuro de Loki? Resta saber se, depois de Vingadores: Guerra Infinita, o Deus da Trapaça terá algum futuro…

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Sobre o autor

Roberto Sadovski é jornalista e crítico de cinema. Por mais de uma década, comandou a revista sobre cinema "SET". Colaborou com a revista inglesa "Empire", além das nacionais "Playboy", "GQ", "Monet", "VIP", "BillBoard", "Lola" e "Contigo". Também dirigiu a redação da revista "Sexy" e escreveu o eBook "Cem Filmes Para Ver e Rever... Sempre".

Sobre o blog

Cinema, entretenimento, cultura pop e bom humor dão o tom deste blog, que traz lançamentos, entrevistas e notícias sob um ponto de vista muito particular.