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Aos 80 anos, por que o Superman continua sendo o maior dos heróis

Roberto Sadovski

18/04/2018 16h16

Um planeta condenado. Um órfão disparado para as estrelas. Um estranho numa terra estranha, criado como uma pessoa comum. O maior super-herói de todos os tempos. A gênese do Superman é um exemplo de simplicidade e triunfo narrativo, um personagem que chega aos 80 anos praticamente inalterado, adaptando-se à marcha do tempo ao mesmo tempo em que nunca abriu mão de sua essência. É o primeiro, o maior de todos, o grande exemplo e a base sobre a qual as propriedades intelectuais mais importantes da cultura pop foram erguidas. Reconhecível em qualquer canto do mundo, o Homem de Aço experimenta agora mais uma reinvenção nos quadrinhos, vive um momento indeciso no cinema e continua, em todas as mídias, sua jornada como um dos maiores ícones pop da história.

De certa forma, não é só o Superman que faz aniversário hoje – apesar da data da capa ser junho, 18 de abril de 1938 foi o lançamento da primeira edição de Action Comics, em que os então adolescentes Jerry Siegel e Joe Shuster deram vida ao herói. Com ele, também foram criados os arquétipos que definiriam o termo "super-herói" e também a supremacia das histórias em quadrinhos americanas no mundo. Para celebrar a data, a DC Comics, editora do herói nos Estados Unidos, coloca hoje nas bancas a milésima edição da mesma Action Comics, trazendo uma equipe enorme e diversa de criadores (em especial o roteirista Brian Michael Bendis) em uma comemoração que volta seu olhar para as diversas encarnações do Homem de Aço. Mesmo com oito décadas nas costas, ele continua sendo um ícone cultural americano e a representação, como bem colocou o escritor Grant Morrisson na série All Star Superman, do potencial para a grandeza inerente a todo ser humano.

Action Comics #1, o começo de tudo!

Nos bastidores, porém, a jornada do Superman nunca deixou de ser atribulada. Embora os conceitos originais sejam de Siegel e Shuster, a DC acrescentou, ao longo destes 80 anos, as dezenas de atributos que ajudaram a construir o perfil do personagem. Ainda assim, seus criadores tentaram recuperar os direitos do herói em diversas ocasiões – sempre perdendo nos tribunais ianques. Seu crédito foi restaurado após o lançamento de Superman – O Filme em 1978, com a DC comprometendo-se a pagar uma pensão anual à dupla. Este acordo foi revisto bem dentro do novo século, com os herdeiros dos criadores ainda brigando pela propriedade do herói, com o personagem amarrado à DC em uma decisão judicial de 2008. Em 2033 o Superman se tornará personagem de domínio público, mas unicamente a versão publicada em Action Comics #1, sem boa parte das características que o fizeram, ao longo dos anos, grande.

Sem o Superman, não é exagero dizer que a cultura pop como conhecemos hoje não existiria. Não somente pela supremacia da indústria cultural americana, que tem no personagem um de seus maiores ícones, mas também como influência gigante em artistas dos mais diversos campos. Tudo se resume, por fim, nos valores defendidos pelo herói. Não que ele fosse o maior dos exemplos em sua concepção: Siegel e Shuster não hesitavam em fazer o Superman matar em seus primeiros quadrinhos, por exemplo, e foi graças a uma bem vinda interferência editorial que ele foi moldado como o bastião da justiça, verdade e estilo de vida americano que perdura até hoje. É curioso como este conceito pode soar anacrônico, mas num mundo mergulhado na Segunda Guerra Mundial, com um déspota disposto a cometer genocídio em nome de uma "pureza racial" equivocada, o Superman surgiu como um alento. O mundo mudou, tornou-se por vezes mais sombrio e banhado em tons de cinza, fazendo com que o Superman, como ideia, continuasse necessário como nunca.

A milésica edição de Action Comics

E é ele que, a cada reinvenção da indústria dos quadrinhos, a cada realinhamento de forças criativas, continua como baliza do que os super-heróis representam. As editoras, assim como o mundo, respondem ao zeitgeist, adaptando seus heróis e seus conceitos ao sabor de cada época. Ainda assim, é para o Superman que os olhares se voltam sempre que essa mesma indústria precisa ser chacoalhada. Foi assim nos anos 80, quando ele perdeu parte de seus poderes e tornou-se mais humano em uma reinvenção tocada pelo artista John Byrne. Foi assim na década seguinte, quando os quadrinhos abraçaram heróis de moral duvidosa (olá, Deadpool!), que ele precisou morrer e ser ressuscitado para que o público, ficcional e real, percebesse o peso de sua importância. O novo século trouxe sua cota de reinterpretações, nem sempre bem sucedidas, mas o que essa milésima edição de Action Comics prova é que o Superman funciona melhor quando seus criadores entendem sua função simbólica e não reinventam a roda, mas a colocam para girar sem atrito.

É por esse motivo, talvez, que a DC não consegue emplacar seu universo no cinema, à exemplo do que a concorrência tem feito com sucesso implacável há uma década. O foco da DC nunca foi o Batman e suas tintas realistas e sombrias: todo este universo existe nos calcanhares do Homem de Aço e sua representação quase divina. É um mundo em que impera o otimismo, em que as trevas são apenas um estágio a ser vencido pelo domínio da luz. O maior equívoco da DC no cinema foi abraçar uma "maturidade" totalmente equivocada, e concentrar o tom de suas aventuras em cópias do Homem-Morcego, baseando-se unicamente em seu sucesso comercial. O roteirista Kurt Busiek acertou em cheio quando escreveu a minissérie Vingadores vs. Liga da Justiça, ressaltando exatamente as diferenças dos universos: enquanto o mundo do Capitão América e cia. era espelhado no nosso, com cidades, conflitos e preocupações sócio-econômicas reais, o lar do Superman e sua turma era composto por lugares e eventos fictícios, em que a esperança do povo em seus super-heróis dava o tom.

Grandes Astros Superman, a melhor história do herói

No fim, essa é a definição e a explicação para que o Superman permaneça, 80 anos depois de sua criação, como o maior de todos os heróis: ele representa a esperança. Em sua melhor história nos quadrinhos, justamente All Star Superman (ou Grandes Astros Superman, como foi batizada aqui), Grant Morrisson e Frank Quitely teceram um conto de esperança, mesmo que a trama girasse em torno da morte do herói, condenado por uma exposição fulminante de energia solar, consciente de que, em um ano, seu corpo irá ceder à radiação concentrada em suas células. Sua decisão não é buscar uma cura, e sim garantir que o mundo, em sua ausência, tenha realmente se tornado um lugar melhor. O Superman, este senhor de 80 anos de idade, pode parecer ultrapassado e anacrônico. Mas ele ainda representa, com zero dúvida, a grandeza que todos podemos almejar.

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Sobre o autor

Roberto Sadovski é jornalista e crítico de cinema. Por mais de uma década, comandou a revista sobre cinema "SET". Colaborou com a revista inglesa "Empire", além das nacionais "Playboy", "GQ", "Monet", "VIP", "BillBoard", "Lola" e "Contigo". Também dirigiu a redação da revista "Sexy" e escreveu o eBook "Cem Filmes Para Ver e Rever... Sempre".

Sobre o blog

Cinema, entretenimento, cultura pop e bom humor dão o tom deste blog, que traz lançamentos, entrevistas e notícias sob um ponto de vista muito particular.