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Por que as "histórias Star Wars" não conseguem se afastar da série clássica

Roberto Sadovski

25/05/2018 05h19

Uma História Star Wars parecia uma ideia brilhante quando a antologia foi anunciada pela LucasFilm. Seriam novos filmes, ainda dentro do universo criado por George Lucas, porém mirando em outros cantos da galáxia muito distante. As possibilidades seriam infinitas, com as aventuras da "saga" continuando a história do clã Skywalker e seus herdeiros (de sangue ou de vocação) e os contos dessa "antologia" abordando novos cenários, novas linhas temporais, expandindo pra valer a mitologia de Star Wars. Algo que livros, HQs e games fizeram por anos, agora materializados num cinema perto de você. Então veio o excepcional Rogue One, executando uma ideia retirada do texto de abertura de Uma Nova Esperança (ou, para os velhos, o Guerra nas Estrelas original). Han Solo, que invade os cinemas de todo o planeta neste fim de semana, surge como origem do personagem mais carismático da saga. Agora a LucasFilm anunciou Boba Fett, focando no caçador de recompensas apresentado em O Império Contra-AtacaKenobi, com Ewan McGregor de volta ao papel do mestre Jedi, continua em desenvolvimento.

Percebeu o padrão? Embora os filmes com o selo Uma História Star Wars tenham sido anunciados como uma evolução deste universo, abrindo espaço para cineastas desbravarem a mitologia, o que vimos até agora foram filmes que não se atreveram a brincar fora do quintal da história principal. Independente de sua qualidade – e Rogue One é o terceiro melhor de todos os Star Wars em meu ranking pessoal -, parece que os donos da bola ainda morrem de medo de escapar de lugares, personagens e situações familiares. Tudo parece necessariamente orbitar em torno do colosso gravitacional que é a saga principal. Mesmo com suas qualidades narrativas e emocionais excepcionais, Rogue One, por exemplo, apresentou um grupo de personagens condenado desde o princípio: sendo um prólogo de Uma Nova Esperança, já era óbvio que ninguém sairia vivo da missão. Han Solo é um problema ainda maior, já que parte do charme do personagem imortalizado por Harrison Ford é o mistério em torno de suas origens, já que não sabemos se ele é 100 por cento mocinho ou canalha – seu arco, por sinal, fez todo sentido no filme de 1977, e pouco avançou nas aventuras seguintes. Um dos problemas do filme de Ron Howard é justamente estabelecer Han como o herói altruísta, o que é corroborado literalmente por uma personagem do filme. Em outras palavras: desnecessário.

Han Solo é um afago ao fã tradicional de Star Wars

Boba Fett é um caso à parte. O mercenário foi apresentado ao universo de George Lucas num segmento animado do pavoroso especial de TV The Star Wars Holiday Special, uma baboseira que levou o elenco do filme original para a telinha em 1978, com o único intuito de faturar em cima da marca – em sua defesa, George provavelmente ainda não tinha dimensão do tamanho que sua criatura alcançaria. Fett ganhou um papel secundário em Império e encontrou seu fim, de maneira absolutamente patética, em O Retorno de Jedi. Livros e quadrinhos do universo expandido, entretanto, lhe conferiram uma aura cult, e Lucas terminou jogando luz em sua origem – de maneira absolutamente canhestra – no segundo episódio de Star Wars, Ataque dos Clones, de 2002. Ele seria o clone de um caçador de recompensas, Jango Fett, que não experimentou crescimento acelerado ou doutrinação por parte do Império. Mesmo sem um momento memorável sequer em sua história no cinema, Boba Fett entrou para o imaginários dos fãs mais fervorosos como parte essencial da engrenagem que move a série. O bastante para James Mangold, responsável pelo excepcional Logan, assinar para escrever e dirigir um filme focado no personagem.

O envolvimento de Mangold imediatamente eleva o suposto Boba Fett: Uma História Star Wars a outro patamar. Mas a pergunta é inevitável: não seria mais bacana deixar o cineasta livre para criar personagens e situações novas dentro do universo da saga? Não seria mais estimulante desbravar territórios inéditos, em vez de construir uma história em torno de um personagem, honestamente, já esgotado no cinema? Pelo visto, a LucasFilm acredita que não, insistindo numa figura conhecida para, vai saber, garantir o interesse dos fãs já na largada. Não que Star Wars precise disso. Por sinal, essa eu jogo na roda e saio correndo: se Han Solo tivesse a mesma estrutura, com modificações óbvias, mas em torno de um personagem inédito, não aliviaria a pressão em cima do protagonista, Alden Ehrenreich, e também em todo o filme? Qual o medo, afinal, em deixar que o selo Uma História Star Wars de fato seja fora da casinha?

O Despertar da Força ousou ao integrar novos personagens numa narrativa nostálgica

Uma resposta ao mesmo tempo óbvia e preguiçosa estaria nos novos filmes da saga principal. Apesar da estrutura familiar, espelhando a narrativa de Uma Nova Esperança, o diretor J.J. Abrams conseguiu apresentar personagens inéditos em uma trama nostálgica em seu O Despertar da Força. Rian Johnson foi além e conseguiu uma evolução verdadeira e surpreendente com Os Últimos Jedi, mostrando um desenvolvimento real de personagens clássicos, como Luke Skywalker e Leia Organa – o primeiro desceu do pedestal messiânico que os fãs (e só eles) o colocaram, disparando a trama a partir de suas próprias fraquezas; a segunda, que sempre foi descrita como sensitiva com a Força, finalmente exibiu parte de seu poder em um momento de vida ou morte. Os Últimos Jedi é justamente sobre novos personagens suplantando os ícones mais reconhecíveis da série, que percebem que seu tempo acabou e cujas ações inspiram uma nova geração. Parte dos fãs, porém, surtou ao ver figuras dos filmes originais, retomados com um hiato cronológico de quase três décadas na narrativa, evoluídos. Nesse sentido, o que vimos em Uma História Star Wars até o momento – em especial em Han Solo – foi um estúdio abandonando riscos para entregar filmes confortáveis a uma turma avessa a mudanças.

Mas Star Wars nunca foi sobre conformismo. Afinal, estamos falando de uma história criada por um liberal em uma época de mudanças sócio-culturais profundas. O próprio George Lucas já disse que o Império Galáctico, em sua concepção, espelhava os Estados Unidos intervencionistas e no auge de sua indústria militar dos anos 70, uma referência nada sutil à Guerra do Vietnã, com o presidente Richard Nixon representado pelo Imperador Palpatine. Em 1981, em uma reunião de roteiro, perguntaram a Lucas se Palpatine era um Jedi, e sua resposta foi incisiva: "Não, ele era um político, e seu nome era Richard M. Nixon". O dono da bola então explicou que o Imperador havia subvertido o senado até tomar o poder, não escondendo mais sua natureza maligna. "Mas ele fingia ser um sujeito legal", emendou. Lucas foi além em uma entrevista publicada pelo Chicago Tribune em 2005, quando ele finalmente lançou A Vingança dos Sith. "Guerra nas Estrelas sempre foi sobre a Guerra do Vietnã e sobre o período que Nixon queria se reeleger", explicou. "Foi quando eu percebi como, historicamente, as democracias se tornam ditaduras: elas não são derrubadas, e sim entregues."

Mark Hamill em Guerra nas Estrelas: reflexo do conflito no Vietnã

O trabalho de Kathleen Kennedy à frente da LucasFilm não é, portanto, dos mais fáceis. Equilibrar o desejo de fãs de várias gerações, ao mesmo tempo em que precisa manter o foco sempre na evolução narrativa dos filmes, é um trabalho complexo. Talvez sua relutância em explorar pra valer os cantos mais distantes e desconhecidos do universo Star Wars repouse no timing para contar a história certa no momento certo – e educar seus seguidores lentamente nesse plano. Ela tem a força (sem trocadilhos) dos números: seus três Star Wars lançados sob as asas da Disney renderam mais de 1 bilhão de dólares cada um, com O Despertar da Força dobrando esse número e se estabelecendo como a terceira maior bilheteria mundial da história. Kathleen tem, então, lastro para fazer esse afago nos fanáticos mais tradicionais com Han Solo, Boba Fett e, provavelmente, com Kenobi, que supostamente trará Ewan McGregor de volta ao papel do mestre Jedi durante seu exílio em Tatooine – mais uma vez uma história ensanduichada entre A Vingança dos Sith e Uma Nova Esperança. Já a aposta na ousadia que a série merece repousa não só nos braços de J.J. Abrams, que volta ano que vem para o ainda sem título Episódio IX, mas principalmente na nova trilogia sendo desenvolvida por Rian Johnson, na série de TV comandada por Jon Favreau, e na nova leva de filmes Star Wars a ser escrita pelos roteiristas de Game of Thrones, David Benioff e D.B. Weiss. É aí que, espero, este universo se expanda ousadamente para onde ninguém se aventurou antes.

Luke Skywalker se torna um com a Força em Os Últimos Jedi: evolução inteligente da saga

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Sobre o autor

Roberto Sadovski é jornalista e crítico de cinema. Por mais de uma década, comandou a revista sobre cinema "SET". Colaborou com a revista inglesa "Empire", além das nacionais "Playboy", "GQ", "Monet", "VIP", "BillBoard", "Lola" e "Contigo". Também dirigiu a redação da revista "Sexy" e escreveu o eBook "Cem Filmes Para Ver e Rever... Sempre".

Sobre o blog

Cinema, entretenimento, cultura pop e bom humor dão o tom deste blog, que traz lançamentos, entrevistas e notícias sob um ponto de vista muito particular.