Jack Ryan é o melhor filme de ação que você não vai assistir no cinema
Roberto Sadovski
11/09/2018 02h44
Jack Ryan é um herói de ação por acidente. Ele não é Jason Bourne ou Ethan Hunt, só para ficar em exemplos recentes de espiões que salvam o mundo livre (e às vezes o mundo mesmo) em aventuras aceleradas. Ryan é cerebral, usa mais a massa cinzenta do que os músculos. O que foi ótimo no papel, na série de best sellers escritos por Tom Clancy. Mas foi um desafio quando o personagem fez sua transição para o cinema, em cinco filmes com graus variados de sucesso – ao menos um, A Caçada ao Outubro Vermelho, é muito acima da média. Por isso que é uma surpresa bacana ver que Tom Clancy´s Jack Ryan, série da Amazon Prime que atualiza o agente da CIA para os tempos modernos, finalmente encontra o equilíbrio entre seus dois extremos.
Dividia em oito episódios, a série não adapta diretamente nenhum dos livros de Clancy, mas usa seus temas e seus personagens como ponto de partida para uma trama 100 por cento original. A nova série funciona também como "história de origem" para Ryan, apresentado aqui como um analista da CIA, trabalhando em um cubículo na sede da agência em Langley, depois de um passado traumático como fuzileiro naval no Afeganistão. Na visão do produtor Carlton Cuse, que ajudou a conduzir séries como Lost e Bates Motel, a melhor maneira de reapresentar a criação de Clancy para o público dessa novíssima fase da TV mundial seria afastar-se da Guerra Fria e da politicagem de bastidores e concentrar-se em ameaças em sintonia com o mundo atual. Ao contrário do que acontece em muitos filmes, porém, Jack Ryan consegue, em seus oito episódios, dar mais dimensão ao "vilão" da temporada, jogando uma luz não redentora, mas ao menos empática em suas ações.
A nova face do terrorismo em Jack Ryan
Ao começar no Líbano dos anos 80, quando o país mergulhou num conflito sem fim que ceifou a vida de milhares, a série dá o contexto para a formação de seu antagonista, um estrategista que ameaça tomar o lugar de Bin Laden como cabeça do terror mundial. Suleiman planeja desestabilizar as grandes potências, e sua grande movimentação bancária na Europa chama a atenção de Ryan, que leva suas suspeitas ao seu novo chefe de setor, Jim Greer (Wendell Pierce, de The Wire). Calejado, ele coloca um freio na atitude entusiasmada de seu subordinado, mas logo eles são forçados a ir ao Oriente Médio para resolver a situação de perto. Um ataque a uma base americana escala o conflito, e Ryan logo se vê no centro de uma trama tanto política quanto em campo, tentando manter-se um passo à frente de Suleiman para desvendar seu plano e impedir um novo 11/9.
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Jack Ryan toma seu tempo em flashbacks para explicar as motivações de Suleiman e o motivo de seu ódio e devoção. Em contrapartida, o próprio Ryan fica de escanteio quando o assunto é desenvolver sua personalidade. Como protagonista, seria interessante descobrir de onde vem seu senso tão agudo de certo e errado, o que o deixa por vezes incapaz de enxergar a gigantesca área cinzenta em que se desenvolve o cenário geopolítico mundial. Por outro lado, esse vácuo faz com que o público reaja à medida em que Ryan descobre um mundo que não opera de forma tão racional quanto o que ele foi criado. Esse paradoxo, ligado à tragédia pessoal que o assombra desde o Afeganistão, termina por criar um personagem complexo, que ganha espaço para ser explorado mais à fundo nas temporadas futuras (a segunda está garantida pela Amazon há meses), ao mesmo tempo que cria uma visão interessante dentro dessa trama.
Ryan (John Krasinski) e Jim Greer (Wendell Pierce) vão ao deserto
Não atrapalha, claro, a escolha de um ator carismático e extremamente simpático como John Krasinski para injetar novo fôlego a Ryan. Revelado em The Office, e em alta depois de escrever, dirigir e atuar no terror Um Lugar Silencioso, Krasinski é o protótipo do "herói americano". Sua construção para Ryan pode derivar dos livros originais de Tom Clancy, mas sua execução aproxima-se mais do herói relutante criado por Harrison Ford em Jogos Patrióticos e em Perigo Real e Imediato. Com Krasinski à frente, esse arquétipo ganha vulto, e o fato de Ryan não ser apresentado como um sujeito invencível faz com que a evolução da trama tome contornos surpreendentes. A decisão em emoldurar o desenvolvimento da trama com sequências de ação carregadas de tensão eleva Jack Ryan a um patamar apenas ensaiado por séries teoricamente similares, como 24 Horas.
Isso porque o orçamento da Amazon permitiu que Jack Ryan caprichasse no escopo de algumas sequências. Não em termos de pirotecnia como um espetáculo de Michael Bay, mas com foco na interação dos personagens e na consequência de seus atos, que podem resultar em cenas de ação aceleradas e surpreendentes – em especial uma interação com traficantes e terroristas em uma praia da Turquia repleta de refugiados, ou no final inteligente, que traz ecos de O Pacificador, com George Clooney. Depois de uma tentativa frustrada em retomar sua carreira no cinema com o pouco visto Operação Sombra – Jack Ryan, com Chris Pine no papel do agente da CIA, o formato episódico na TV pode ser a maneira certa de recomeçar a história do personagem. Jack Ryan, finalmente, consegue retornar como herói de ação sem abdicar de seu maior predicado: o cérebro.
Sobre o autor
Roberto Sadovski é jornalista e crítico de cinema. Por mais de uma década, comandou a revista sobre cinema "SET". Colaborou com a revista inglesa "Empire", além das nacionais "Playboy", "GQ", "Monet", "VIP", "BillBoard", "Lola" e "Contigo". Também dirigiu a redação da revista "Sexy" e escreveu o eBook "Cem Filmes Para Ver e Rever... Sempre".
Sobre o blog
Cinema, entretenimento, cultura pop e bom humor dão o tom deste blog, que traz lançamentos, entrevistas e notícias sob um ponto de vista muito particular.