Esqueça Lady Gaga: a verdadeira força de Nasce Uma Estrela é Bradley Cooper
Roberto Sadovski
11/10/2018 04h48
Lady Gaga está ótima em Nasce Uma Estrela. Ou pelo menos ela está incrível ao dar vida à sua personagem antes que ela se torne… Lady Gaga! Mas eu estou me adiantando. Rebobina. Recomeça. Nasce Uma Estrela, estreia na direção do ator Bradley Cooper (que faz jornada dupla também na frente das câmeras, ou multiplicada por quatro se a gente contar as funções de produtor e roteirista), é mais uma versão de uma das histórias mais celebradas e manjadas de Hollywood. Mudam a época, mudam os costumes, mas a história de amor de uma artista iniciante com um astro decadente continua poderosa, emocionante e muito triste. Essa nova versão saracoteou nas mãos de um punhado de equipes criativas (inclusive Clint Eastwood e Beyoncé) até se tornar projeto de estimação de Cooper. Ele convocou Gaga, a química bateu e o resto é história.
E a história é essa. Bradley é Jackson Maine, astro do rock que já viu dias melhores, impulsionado hoje por uma dieta de culpa, álcool e drogas. Saindo de um show aleatório, ele decide parar num bar qualquer, onde descobre a cantora (amadora) Ally. Ela tem a voz de um anjo e canta com o coração, além de não se furtar em enfiar uma muqueta num bêbado desavisado. Jackson enxerga em Ally talvez a inocência criativa que um dia ele teve e perdeu, a leva para sua vida acelerada de shows e turnês e ela encontra sua própria voz, despontando uma carreira vencedora – enquanto ele, ao mesmo tempo orgulhoso e enciumado, mergulha mais fundo em seu inferno pessoal. Se a história soa anacrônica, o motivo é simples: ela é. Nasce Uma Estrela é um filme de amor à moda antiga, grandioso, emocionante, recheado de canções de quebrar o coração e sem o menor pudor em se apresentar exatamente como é. Essa honestidade, permeada em cada um de seus fragmentos, é seu maior triunfo.
Bradley Cooper dirige ao lado de seu fotógrafo, Matthew Libatique
O Nasce Uma Estrela original, que tinha Janet Gaynor e Fredric March em 1937, trazia basicamente a mesma trama, ambientada no mundo do cinema. Suas versões seguintes traziam alterações pontuais no mesmo tabuleiro. O filme de 1954, com James Mason, espelhava a luta da estrela Judy Garland em recuperar seu próprio brilho. A versão mais conhecida, talvez até pela proximidade geracional, é a de 1976, com Barbra Streisand e Kris Kristofferson. Cooper emprestou elementos de cada uma – de uma certa doçura do filme de 37, o retrato explosivo dos bastidores da fama da versão de 54 e a ambientação no mundo da música na de 76. Ainda assim, fez com que seu Nasce Uma Estrela tivesse personalidade, mesmo sem prestar muita atenção para a marcha do tempo e as urgências do cinemão atual. Em sua visão, Ally é uma estrela, mas precisa de uma figura masculina para encontrar sua própria luz, e é capaz de abrir mão de fama e fortuna por seu homem. É bonito, é romântico, mas não é exatamente "século 21".
E nem precisa ser, é um detalhe que não atropela a força do trabalho de Cooper, que surge como um diretor seguro em sua visão e habilidoso na composição narrativa e visual. A câmera do fotógrafo Matthew Libatique (colaborador habitual de Darren Aronofsky) move-se por palcos, pela multidão, por premiações da indústria e por mansões habitadas pela tristeza sempre com um tom confessional, sempre trazendo a platéia para o lado de seus protagonistas. Mesmo com a trama batida, é impossível não se importar com o casal, é impossível não ter empatia por sua luta e sua dor – apesar de a velocidade dos acontecimentos atropelar um certo conforto narrativo, com Ally passando de artista iniciante a estrela indicada ao Grammy em velocidade supersônica. Isso pode ser reflexo da urgência de Cooper em avançar a trama com pragmatismo e sem gordura. Uma coisa é certa: ele nasceu para contar histórias sobre pessoas de verdade vivendo relacionamentos de verdade, e a carga dramática impressa nos momentos mais tensos de Nasce Uma Estrela mostra a quem exatamente o título se refere.
Lady Gaga nos braços do amor (é brega, eu sei, me deixa…)
Não que Lady Gaga não seja uma completa revelação, que pode muito bem ser premiada com uma indicação ao Oscar ano que vem (Madonna vai se morder de inveja). Sua Ally começa natural, longe da imagem projetada por uma das maiores artistas pop do novo século. E o primeiro ato de Nasce Uma Estrela é todo dela, quando Ally abraça a rotina de Jackson Maine e se vê numa rotina que não foi feita para humanos normais. Ela aos poucos revela sua voz, seu talento como compositora e desenvolve seu amor por Maine – que, por sua vez, é completamente devotado a ela – de maneira natural e emocionante. O problema é quando Ally se torna a estrela pop que ela merece ser, e fica impossível enxergar a personagem, deixando espaço apenas para Lady Gaga. Ainda assim, ela consegue por muitos momentos escapar da armadinha de interpretar a si mesma e entrega-se à direção de Cooper sem restrições, principalmente nos momentos em que o casal oscila entre tragédia e triunfo.
Mas o show é mesmo de Cooper. Revelado como vilão em Penetras Bons de Bico em 2005, ele foi alçado à condição de astro três anos depois com o sucesso de Se Beber, Não Case. Mesmo completando a trilogia boboca de Todd Philips, Cooper firmou-se como um dos intérpretes mais versáteis da nova Hollywood, em filmes que foram de Esquadrão Classe A e Sem Limites, passando pela voz de Rocket em Guardiões da Galáxia e Vingadores: Guerra Infinita, aos impecáveis, pelos quais ele recebeu indicações ao Oscar, O Lado Bom da Vida, Trapaça e Sniper Americano, dirigido por Clint Eastwood (com quem ele volta a trabalhar em The Mule). Nasce Uma Estrela é sua consagração dos dois lados da câmera, espelhando seus ídolos e revelando não só um diretor promissor e de sensibilidade gigante, mas também um ator que confere a cada novo papel uma humanidade que, às vezes, ameaça ser encoberta pelo título de "astro de Hollywood". Não ele. Não aqui.
Sobre o autor
Roberto Sadovski é jornalista e crítico de cinema. Por mais de uma década, comandou a revista sobre cinema "SET". Colaborou com a revista inglesa "Empire", além das nacionais "Playboy", "GQ", "Monet", "VIP", "BillBoard", "Lola" e "Contigo". Também dirigiu a redação da revista "Sexy" e escreveu o eBook "Cem Filmes Para Ver e Rever... Sempre".
Sobre o blog
Cinema, entretenimento, cultura pop e bom humor dão o tom deste blog, que traz lançamentos, entrevistas e notícias sob um ponto de vista muito particular.