40 anos de Superman - O Filme: melhor filme de super-heróis ainda voa alto
Roberto Sadovski
30/11/2018 04h00
Superman – O Filme me acompanha há 40 anos. Eu sei que a obra-prima de Richard Donner faz aniversário em 15 de dezembro, data que chegou nos cinemas ianques. Sei também que o mundo pop celebrou os 80 anos da criação do Homem de Aço nos quadrinhos neste 2018 que se aproxima do fim. Para este escriba, porém, Superman será sempre o meu filme. Porque foi o primeiro filme que vi no cinema. Porque foi o pedaço de cultura pop que definiu todos os passos de minha vida profissional. Porque eu lembro, em detalhes, de uma tarde de domingo em fevereiro de 1979, sessão abarrotada, fãs entusiasmados, e eu ali tentando entender como as engrenagens desse mundo fantástico se moviam por trás das cortinas. Porque eu me convenci (junto com todo o planeta) que o homem podia voar. Nessas quatro décadas, Superman esteve sempre ao alcance da mão. Em seu lançamento em VHS. Na novidade do DVD (que foi capa de SET, revista que eu dirigi por uma década). No apuro do blu ray. Em sua versão original de cinema. Em sua versão estendida. Perdi a conta de quantas vezes assisti, sei os diálogos de cor. Faltava, porém, fechar o círculo.
O que aconteceu em uma manhã neste fim de novembro, quando voltei ao cinema para conferir Superman – O Filme, mais uma vez, em seu lugar de direito: uma tela de cinema. Foi uma sessão para a imprensa preparando a celebração que o Cinemark faz no próximo dia 4 (um dia só, procure o cinema da rede mais perto de você). Cópia restaurada (a versão original, sem os adendos posteriores), com som bombando e imagem tinindo. Impressionante como, 40 anos depois, o trabalho de Richard Donner continue tão original, tão plasticamente perfeito, estruturalmente brilhante. Isso porque Donner não queria fazer "uma aventura do Superman", mas sim um filme que apelasse para os aspectos míticos do personagem, aproveitando para dar uma geral em seus (então) quarenta anos de história. É uma fantasia épica, sem compromisso com o realismo, que mistura a estética de décadas diferentes (dos nostálgicos anos 40 até os então modernos anos 70) com soluções narrativas até ingênuas e a melhor perfumaria (trilha sonora, direção de fotografia, edição, efeitos especiais revolucionários) que o cinemão podia comprar.
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Tudo funciona. E tudo faz sentido porque é o Superman. E a gente "compra" cada segundo da aventura porque Christopher Reeve é a escolha de elenco mais perfeita do cinema em todos os tempos. Ator de formação clássica, ele levou toda a técnica para emprestar realismo a um personagem completamente fantástico. Mas seu trabalho o humanizou, e seu Superman não se tornou um simples cartoon de carne e osso, mas uma construção complexa, a combinação do talento de Reeve, do pulso da direção de Donner e do texto de Tom Mankiewicz (que ficou com crédito de "consultor criativo" depois de reescrever o texto original de Mario Puzo). Reeve foi a escolha perfeita para um elenco que já saia do grid com o peso de Marlon Brando e Gene Hackman – o melhor equilíbrio da Hollywood clássica com a novíssima geração que trocava o manto de "astros" por um modo mais cru e realista em compor seus personagens. E, claro, Margot Kidder como Lois Lane…. Foi o modo que os produtores, Alexander e Ilya Salkind, encontraram para dizer ao mundo que seu Superman – O Filme não era uma aventura para crianças (embora fosse perfeita para crianças) ou um produto superficial: era uma empreitada séria, encarada com um olhar maduro, cuidado estético e acabamento primoroso.
Os bastidores, claro, foram um caos. Donner brigou com os produtores. Seu perfeccionismo e o trabalho com o roteiro adiou a agenda de filmagens, e os planos de rodar duas aventuras ao mesmo tempo evaporaram. O diretor e sua equipe passaram a se concentrar em encerrar os trabalhos do primeiro filme (a cena final, com o Superman fazendo o tempo voltar ao retroceder o eixo da Terra, era o clímax da segunda aventura), o lançamento foi adiado, mas não podia passar de dezembro de 1978 por conta da data simbólica. Foi um sucesso avassalador, a segunda maior bilheteria mundial do ano (ficando atrás do fenômeno Grease), e a prova de que histórias em quadrinhos poderiam, sim, render aventuras sólidas no cinema. Donner, por fim, não chegou a um acordo com os Salkind e foi ejetado da continuação, terminada por Richard Lester, que ainda usou boa parte do material de seu antecessor – para quem gosta dos detalhes, Lester nunca dirigiu Gene Hackman em Superman II.
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Na década seguinte, Reeve retomou o papel outras três vezes. Superman II, de 1980, é uma aventura sólida, menos romântica e mais acelerada. O terceiro, de 1983, sofre com a saída de parte do time criativo original e afasta-se dos mitos do heróis nos quadrinhos – é possível enxergar onde Lex Luthor e o supercomputador vivo Brainiac se encaixam na trama, mas a adição do comediante Richard Pryor, então um dos maiores astros do mundo, fez com que o Superman se tornasse coadjuvante em seu próprio show. O quarto filme, uma produção feia e cansada, lançada em 1987, foi uma vergonha que quase sepultou os "cinema de super-heróis" por mais uma geração. Se não fosse Batman, que Tim Burton dirigiu em 1989, o panorama hollywoodiano do novo século teria sido bem diferente. O mundo teve de esperar até 2006 para o Superman voltar aos cinemas (com Bryan Singer na direção, praticamente refilmando o original de Donner), e depois até 2013 para ele tentar se estabelecer como uma série viável – Homem de Aço até funciona, Henry Cavill nunca compromete, mas essa encarnação foi sepultada com os pavorosos Batman vs Superman e Liga da Justiça.
Nenhum deles, claro, amarra as botas de Superman – O Filme. Sendo bem honesto, nenhum filme de super-heróis é tão bom quanto a aventura de Richard Donner, ponto. Nem o realismo da trilogia O Cavaleiro das Trevas, nem o universo conectado da Marvel. Numa comparação, nenhum deles nunca teve a menor chance – e nem tinham a intenção. Porque é cristalino como Superman escreveu o manual do filme de super-herói (e também do blockbuster moderno) ao abraçar a jornada do herói e ditar uma regra básica e sagrada que permeia praticamente todo o entretenimento no cinemão do novo século: leve seus heróis à sério. Como disse uma vez James Gunn, não existe mais amor e dedicação na equipe fazendo 12 Anos de Escravidão do que naquela trabalhando em Capitão América: O Soldado Invernal. No fim, o objetivo é contar boas histórias, é entreter sem abrir mão da reflexão, é entender o peso do material original, mesmo que ele tenha começado em revistinhas coloridas originalmente direcionadas à crianças. Superman – O Filme tem todos esses predicados. Por isso que ele é uma obra atemporal, inspiradora, emocionante e fantástica. Que eu tive o privilégio de conferir, em dois pontos bem diferentes de minha vida, no templo que escolhi como meu. Dia 4, se você puder, faça essa mesma escolha. E acredite, mais uma vez, que o homem pode alçar voo, levando junto nossa imaginação.
Sobre o autor
Roberto Sadovski é jornalista e crítico de cinema. Por mais de uma década, comandou a revista sobre cinema "SET". Colaborou com a revista inglesa "Empire", além das nacionais "Playboy", "GQ", "Monet", "VIP", "BillBoard", "Lola" e "Contigo". Também dirigiu a redação da revista "Sexy" e escreveu o eBook "Cem Filmes Para Ver e Rever... Sempre".
Sobre o blog
Cinema, entretenimento, cultura pop e bom humor dão o tom deste blog, que traz lançamentos, entrevistas e notícias sob um ponto de vista muito particular.