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Terra à Deriva mostra que a China também sabe fazer blockbusters bobocas

Roberto Sadovski

14/05/2019 05h56

Terra à Deriva é a terceira maior bilheteria de 2019, atrás somente de Capitã Marvel e de Vingadores: Ultimato. Com 700 milhões de dólares em caixa, também fez barulho em sua China natal, tornando-se a segunda maior bilheteria da história do país, atrás da aventura local Wolf Warrior 2, de 2017. Segundo maior mercado de cinema do mundo, a China honra suas dezenas de milhares de multiplexes mostrando ser capaz de competir cabeça a cabeça com a invasão de blockbusters ianques, sejam super-heróis salvando o universo, seja Vin Diesel praticando pinball com carros tunados. É um fenômeno de mercado inegável, uma ficção científica com pretensão de bater de frente com produtos similares importados, uma prova de que toda indústria cultural precisa buscar um tipo de entretenimento massificado para buscar seu espaço. E é também cafona, sentimentaloide, exagerado além da conta, com atuações dignas de novela da Record e uma grandiloquência impossível de ser levada a sério. Ou seja, o cinema chinês conseguiu alcançar o cinemão hollywoodiano ao reproduzir o que ele tem de pior.

Curiosamente, um lançamento desse porte, planejado para a maior tela com o som mais retumbante, chegou ao Brasil no catálogo da Netflix. E é na plataforma de streaming, entre comédias românticas para a geração millennial e outro episódio imperdível de RuPaul´s Drag Race, que um grupo de adolescentes chineses salva o mundo do apocalipse. Inspirado em um conto do autor de ficção científica Liu Cixin, Terra à Deriva é ambientado alguns anos no futuro, quando o Sol ameaça expandir-se e engolir todo o Sistema Solar. A solução para salvar o planeta é construir dezenas de milhares de motores em sua superfície e remover o globo terrestre da galáxia, uma jornada de 2500 anos até Alpha Centauri, onde a humanidade, uma centena de gerações à frente, encontrará seu novo lar. Tenta visualizar: a Terra agora é uma nave interestelar, guiada por uma estação espacial em uma viagem milenar. Longe de nossa órbita original, e afastada do Sol, boa parte da população sucumbiu à ação de tsunamis (sem rotação, as marés enlouqueceram) e ao frio extremo do vácuo espacial. Os sobreviventes habitam cidades subterrâneas, esquentadas pela força dos motores.

Em Terra à Deriva, Júpiter está bem ali…

Mas Terra à Deriva não é sobre os sobreviventes em uma missão grandiosa. E sim sobre Liu Qui, um jovem revoltado que decide se aventurar na superfície com a irmã. O passeio do moleque coincide com a proximidade da Terra com Júpiter – e nosso mundo desvia-se da rota original graças à força gravitacional do gigante cósmico, ameaçando espatifar-se na superfície do maior planeta do Sistema Solar. Liu Qui termina envolvido com um grupo militar de resgate e com cientistas tentando resolver o desvio. Calma que tem mais, já que o pai do nosso herói está na estação espacial guiando a Terra, cuja inteligência artificial conclui que é melhor deixar nossa bola de barro concluir seu destino trágico, buscando um novo planeta em Andrômeda para recomeçar a raça humana, já que a carga da estação traz embriões humanos e sementes de todas as espécies. Com tanta coisa acontecendo ao mesmo tempo, é um milagre que Terra à Deriva faça algum sentido, mas é mérito do diretor Frant Gwo manter a coisa coesa e, vá lá, divertida.

Para tanto, Gwo usou uma prática que se tornou sinônimo com muitos produtos chineses: a pirataria. Não existe uma ideia em Terra à Deriva que não seja copiada de outros filmes. Os veículos são uma versão mais parruda dos transportes de Aliens – O Resgate – e as cápsulas de hibernação vem de Alien, o Oitavo Passageiro. A superfície da Terra tomada pelo frio glacial espelha o estilo de O Dia Depois de Amanhã. A inteligência artificial malvada, MOSS, é chupinhada na cara de pau do HAL-9000 de 2001, Uma Odisséia no Espaço. Toda a pseudociência verborrágica lembra as "explicações" de O Núcleo, outra picaretagem que joga as leis da física no chinelo em nome do entretenimento. A equipe que toma para si a missão de salvar o mundo –  aqui basicamente com a faixa etária do elenco de Malhação, com direito a mascote chorona – é derivada de filmes que nem eram lá um primor de originalidade, como Impacto Profundo e Armageddon. Desse último, Terra à Deriva também herda a pieguice, elevada aqui à enésima potência, com direito a sacrifícios em nome da honra e trilha grandiosa no talo. Não falta nem o astronauta russo beberrão e divertido! O mestre do desastre moderno, Roland Emmerich, está preparando Moonfall, em que a Lua é atingida por um meteoro e entra em rota de colisão com a Terra. Eu achei que seria o máximo da ficção científica boboca e exagerada. A China, com Terra à Deriva, parece estar bem à frente – 700 milhões de dólares à frente.

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Sobre o autor

Roberto Sadovski é jornalista e crítico de cinema. Por mais de uma década, comandou a revista sobre cinema "SET". Colaborou com a revista inglesa "Empire", além das nacionais "Playboy", "GQ", "Monet", "VIP", "BillBoard", "Lola" e "Contigo". Também dirigiu a redação da revista "Sexy" e escreveu o eBook "Cem Filmes Para Ver e Rever... Sempre".

Sobre o blog

Cinema, entretenimento, cultura pop e bom humor dão o tom deste blog, que traz lançamentos, entrevistas e notícias sob um ponto de vista muito particular.