Parabellum confirma John Wick como maior série de ação do novo século
Roberto Sadovski
16/05/2019 05h14
Keanu Reeves é como o vinho. Aos 54 anos, ele já se reinventou uma dúzia de vezes, e o faz com tanta serenidade que, quando emplaca um "retorno", é como se nunca tivesse se ausentado. Parece se tornar melhor, mais seguro e mais confortável na pele de "astro" com o tempo. Transitando com facilidade entre produções independentes e o cinemão hollywoodiano, ele chegou ao ponto em que não precisa mais se provar para a indústria, e pode continuar experimentando, inclusive como produtor e diretor, enquanto alimenta a série que, além de deixar os executivos contentes, definitivamente abraçou como sua. O fato de John Wick ser um personagem tão sensacional, encabeçando filmes tão incríveis, é um bônus feliz.
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Até porque séries de ação costumam evaporar as idéias quando esticadas sem critério. Máquina Mortífera perdeu o gás depois de dois exemplares. Duro de Matar perdeu o sangue nos olhos a partir do quarto filme. E eu nem vou falar de filmes qualquer nota mais recentes, como aqueles cometidos por Liam Neeson (com Busca Implacável e seus clones) ou por Jason Statham (eu mal lembro do primeiro Carga Explosiva). John Wick, por outro lado, chega em seu terceiro capítulo, Parabellum, com tanto vigor que parece executado por um grupo de iniciantes dispostos a buscar seu lugar na constelação do gênero. O que mais impressiona na aventura comandada por Chad Stahelski é seu compromisso com personagens, com temas, com coesão narrativa – ao mesmo tempo em que abraça um balé de balas, sangue e violência tão intenso e hipnotizante que cobra um preço físico de quem embarca na aventura. Não tem pra ninguém: essa terceira rodada consolida John Wick como melhor série de ação do novo século.
Keanu Reeves, Halle Berry e cachorros, a arma mortal!
E tudo começou com De Volta ao Jogo, que em 2014 colocou Keanu Reeves em um jogo de vingança com estrutura simples: maior assassino do mundo encontra a paz, mas forças externas o forçam, relutante, a voltar a fazer o que ele faz melhor. E só. Stahelski (em parceria com David Leich, que depois dirigiu Atômica e Deadpool 2) usou sua experiência como dublê para emoldurar a trama convencional com coreografias de ação inacreditáveis – em especial se observarmos o orçamento enxuto de 20 milhões de dólares. Reeves se mostrou o intérprete perfeito para um sujeito com expressão de granito, uma força da natureza incontrolável que apavorava criminosos e matadores só com a menção de seu nome. A grande sacada foi deixar o realismo de lado e ambientar o filme em um mundo fantástico, em que assassinos trabalham sob as asas de uma organização cheia de regras, eventualmente reunidos em um hotel que seria refúgio seguro. Ao estabelecer os parâmetros deste universo, o diretor pode se divertir com um filme violento e intenso e intensamente divertido – eu adoro quando, no novo filme, Wick quebra o pau com um séquito de assassinos pela estação Grand Central em Nova York e ninguém dá a mínima para a carnificina em curso.
Deu tão certo que John Wick: Capítulo 2 ganhou mais grana de produção (e faturou o dobro de seu antecessor) e expandiu seu mundo, com o personagem de Keanu abandonando o tema de vingança, arco encerrado na aventura anterior, para abraçar honra e deveres – e, depois, traição. Espertamente a produção foi anabolizada e tornou-se internacional, ajudando a desenhar o que já era uma mitologia moderna de ação. O filme terminava no gancho mais cara de pau do cinema moderno, e é exatamente o ponto de partida de Parabellum. Abandonado pela Alta Cúpula de assassinos, e com a cabeça a prêmio, John Wick é obrigado a bater em todas as portas e cobrar todos os favores para tirar o seu da reta. A trama é, mais uma vez, de simplicidade espartana, e às vezes derrapa na profusão de nomes, histórias e lugares que ampliam ainda mais sua mitologia peculiar. A direção, por sua vez, é implacável: em vez das cores dessaturadas que assinam boa parte do gênero, Parabellum toma o cenário em neon do filme anterior como base e cria um mundo colorido e vibrante, em que tudo pode se tornar arma para tomar a cabeça de Wick – de armas antigas a pedaços de vidro ao casco de um cavalo. A ação começa ainda no primeiro ato e é incessante até o final apoteótico.
E beleza operística do balé de violência de John Wick
Tudo em John Wick: Capítulo 3 – Parabellum é operístico. Da coreografia de ação à escala do universo, chegando ao preço que custa a cada um dos personagens para se manter em pé. Ajuda, claro, o fato de Wick ter se tornado uma das grandes criações do cinema moderno, uma espécie de samurai zen que encontra em Keanu Reeves a combinação de serenidade e fúria que resultam em um anti herói único. Ele é um assassino sem piedade, uma máquina de matar calculista que executa seus algozes com precisão cirúrgica – mas torcemos por ele por saber que a motivação primal é o amor, ou a perda dele de forma tão pobre e zombeteira. Mesmo com o fluxo narrativo pontuado por cenas de ação sucessivamente mais ousadas, longas e espetaculares, nossa curiosidade ainda é movida pela vontade de vê-lo triunfar – ou melhor, em descobrir como e se ele vai triunfar. A estrutura simples permite que o estilo supere a substância, mas só o bastante para que a jornada de Wick nunca seja secundária.
No centro de tudo está Keanu Reeves. Assim como em Bill & Ted ou em Matrix, é impossível imaginar outro intérprete para um personagem que é quase um super-herói, que experimenta todo tipo de provação que o corpo humano pode suportar e ainda se mantém em pé. É a extrapolação dos clichês, mas funciona porque é Reeves que está ali, sua fúria encapsulada por trás de um ranger de dentes e sobrancelhas arqueadas. Cercá-lo de gente tão espetacular como Ian McShane, Laurence Fishburne e Hally Berry é uma sacada de gênio, que faz o ator nunca entregar uma performance pela metade, mesmo quando tudo que o cerca neste ambiente hiperrealista é exagerado e absurdo. Tudo é superlativo. Mark Dacascos surge como um assassino tão bom quanto Wick, mas não consegue deixar de agir como fã deslumbrado mesmo quando eles estão em uma luta de vida ou morte. Angelica Huston volta ao cinemão como uma senhora do crime assustadora. O melhor de tudo: nem de longe Parabellum indica o fim da história de John Wick no cinema. Não é o filme perfeito. Mas é um mundo único e original que eu não me importaria em revisitar várias e várias vezes.
Sobre o autor
Roberto Sadovski é jornalista e crítico de cinema. Por mais de uma década, comandou a revista sobre cinema "SET". Colaborou com a revista inglesa "Empire", além das nacionais "Playboy", "GQ", "Monet", "VIP", "BillBoard", "Lola" e "Contigo". Também dirigiu a redação da revista "Sexy" e escreveu o eBook "Cem Filmes Para Ver e Rever... Sempre".
Sobre o blog
Cinema, entretenimento, cultura pop e bom humor dão o tom deste blog, que traz lançamentos, entrevistas e notícias sob um ponto de vista muito particular.