Fênix Negra encerra a saga dos X-Men com seu pior filme no cinema
Roberto Sadovski
05/06/2019 05h14
Poucas vezes o cinema pop entrega um final definitivo. De Star Wars a Tron a Mad Max, séries podem ficar dormentes por décadas até ganharem novo fôlego. X-Men: Fênix Negra subverte essa "regra", já que é a conclusão definitiva da saga mutante iniciada dezenove anos atrás por X-Men, que ao longo de doze filmes alimentou seu próprio mundo compacto no cinema. Este fim, claro, não surge de uma necessidade criativa, e sim corporativa: com a Fox agora nas mãos da Disney, os heróis inevitavelmente devem experimentar um renascimento no Universo Cinematográfico Marvel, com sua história devidamente zerada. Era de se esperar, portanto, que Fênix Negra surgisse como um ponto final e também como uma celebração. Melhor, porém, guardar os rojões: pouca coisa salva essa aventura completamente equivocada e desinteressante do total desastre.
A culpa, sem dúvida, repousa nos ombros de Simon Kinberg, elevado à cadeira de diretor depois de produzir e roteirizar os últimos exemplares da série. Por mais bem intencionado que fosse, Kinberg foi incapaz de criar uma história que tivesse qualquer peso dramático, igualmente desprovida de cenas de ação empolgantes ou de personagens minimamente interessantes. A verdade é que todo mundo parece entediado ao extremo – a começar por Jennifer Lawrence, retirada de cena ainda no primeiro ato e com certeza agradecendo por isso. Nenhuma decisão em Fênix Negra traz qualquer relevância. Todo o subtexto do embate de forças sociais antagônicas em busca dos mesmos objetivos foi apagado – da mesma forma, a analogia com a luta das minorias para encontrar seu lugar em um mundo que as odeia surge rasa, quase inexistente. O diretor ignora o que fez a série funcionar em seus melhores momentos (X-Men 2, Dias de Um Futuro Esquecido, Logan), e não consegue sequer criar sequências eletrizantes, como já aconteceu mesmo em seus piores momentos (O Confronto Final, X-Men Origens: Wolverine, Apocalipse). É um filme que quase pede desculpas por ser um filme, por ocupar espaço, por estar ali.
Charles Xavier (James McAvoy) comanda sua equipe de X-Men
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O que é uma pena, já que o começo é até promissor. É 1975, e uma família cruza a estrada, com a pequena Jean Grey alterando estações de rádio usando inconscientemente sua telepatia. A descoberta escala para uma pequena discussão e termina em uma tragédia que toma a vida de seus pais, deixando a garota aos cuidados de Charles Xavier (James McAvoy). Anos depois, ela (Sophie Turner, tentando ao máximo mostrar que não é atriz de uma nota só) vive feliz ao lado de Scott (Tye Sheridan) e de outros professores da Escola para Jovens Superdotados, ao mesmo tempo em que integram os X-Men. Não existe mais o temor mundial pelos mutantes, agora aclamados como heróis, com linha direta até com o presidente. Mas o resgate de astronautas em um ônibus espacial à deriva expõe Jean a uma nuvem cósmica que anaboliza seu já considerável poder. A escalada coloca todos em alerta, com Mística (Jennifer Lawrence), Fera (Nicholas Hoult), Tempestade (Alexandra Shipp) e Mercúrio (Evan Peters) tentando conter a amiga fora de controle. Uma nova tragédia dispara a história. A partir daí, é ladeira abaixo.
Todos os elementos que fizeram dos X-Men um fenômeno nos quadrinhos – e depois um sucesso no cinema – estão ali, perdidos ao longo do texto de Kinberg. Existe o temor em perder a confiança dos humanos e voltar a ser párias (uma discussão sobre campos de prisioneiros mutantes dura, sei lá, menos de cinco segundos). A ameaça do poder absoluto sem supervisão. A angústia juvenil em traçar uma linha entre ser "especial" ou "aberração". As consequências de decisões erradas feitas com a desculpa das melhores intenções. O diretor, entretanto, não tem pulso para se aprofundar em nenhuma delas, e Fênix Negra termina como um apanhado de conceitos superficiais, amarrado por uma trama capenga sobre empoderamento feminino, finalmente costurado com cenas que, às vezes, beiram o constrangimento – como o cabo de guerra mental entre uma Jean superpoderosa e Magneto (Michael Fassbender, que devia ter boletos atrasados) por um helicóptero do exército.
Simon Kinberg dirige (ou tenta, ao menos) Michael Fassbender
O maior equívoco em Fênix Negra seja, talvez, a personagem de Jessica Chastain, um vácuo de personalidade que deve deixar metade da plateia sem lembrar seu nome ao fim do filme (é Vuk, acho, mas não precisa acreditar em mim). Ela é o receptáculo de uma raça alienígena atraída à Terra pela força cósmica que agora domina Jean, e agora quer dominá-la para refazer seu planeta destruído por essa mesma força, eliminando a raça humana no processo. Chastain, uma das atrizes mais sensacionais da Hollywood moderna, expressa o mesmo rosto de tédio de Jennifer Lawrence: em uma sequência – e eu não estou inventando! -, ela observa dois personagens em combate e simplesmente cruza os braços, como se tivesse mais o que fazer do que estar valendo sua diária no set. O amadorismo na direção de Kinberg é tão absurdo que o clímax da aventura, ambientado em um trem militar coalhado de extraterrestres anônimos, termina sendo a sequência mais memorável de todo o filme por pura eliminação.
Sem uma ideia para chamar de sua, e lidando com uma história desinteressante e mal executada, X-Men: Fênix Negra termina representando exatamente o fim de festa apontado pela adição dos mutantes (e também do Quarteto Fantástico) no universo cinematográfico que a Marvel construiu com perfeição ao longo da última década. A ironia é que a saga que culminou em Vingadores: Ultimato não passaria de uma ideia delirante, não fosse a ousadia de cineastas que reinventaram o modo de representar super-heróis dos quadrinhos no cinema com o X-Men de 2000. Com seus poderes exóticos, mas vivendo dramas demasiado humanos, os mutantes abriram caminho para a revolução que consolidou a cultura pop do novo século. Só por isso merecia uma celebração com desfiles momescos, shows apoteóticos e uma catarse coletiva para lembrar a todos quem teve coragem de quebrar as regras e mudar a indústria. Em vez disso, ficamos com o DJ guardando seus discos e a cerveja quente embalando aqueles que se recusam a ir embora mesmo quando a festa já terminou.
Sobre o autor
Roberto Sadovski é jornalista e crítico de cinema. Por mais de uma década, comandou a revista sobre cinema "SET". Colaborou com a revista inglesa "Empire", além das nacionais "Playboy", "GQ", "Monet", "VIP", "BillBoard", "Lola" e "Contigo". Também dirigiu a redação da revista "Sexy" e escreveu o eBook "Cem Filmes Para Ver e Rever... Sempre".
Sobre o blog
Cinema, entretenimento, cultura pop e bom humor dão o tom deste blog, que traz lançamentos, entrevistas e notícias sob um ponto de vista muito particular.