Agora Internacional, Homens de Preto sem Will Smith é como pizza sem queijo
Roberto Sadovski
12/06/2019 10h00
Homens de Preto Internacional é uma adição decente à série iniciada mais de duas décadas atrás. Mistura ação e comédia, traz dois protagonistas bem alinhados, um punhado de alienígenas esquisitões e uma trama erguida em torno de um dispositivo cósmico que pode decidir o destino do planeta. Mas a nova aventura, embora decente, não tem charme. Nenhum. Mesmo com os ingredientes certos, e uma pitada da Hollywood empoderada no novo milênio, o resultado nunca vai além do ok. Tem escopo maior, como manda o figurino do blockbuster moderno. Até o tema de Danny Elfman enfeita os créditos de abertura. Mas falta alguma coisa – e essa "coisa" tem nome e sobrenome: Will Smith.
Primeiro, trago verdades: Homens de Preto, o de 1997, é o melhor filme da carreira de Will Smith. Foi quando ele se consagrou "rei do verão", quando parecia que, depois de Bad Boys e Independence Day, ele não podia mais errar. E não errou! Planejado originalmente como uma parceria entre Val Kilmer e Chris O`Donnell, Homens de Preto terminou por apostar na face de granito de Tommy Lee Jones, que combinava à perfeição com o jeito malaco de Smith. Química perfeita para uma comédia de ficção científica irretocável. MIB, afinal, nunca foi sobre tamanho, e sim sobre pequenos detalhes, sobre mostrar como numa metrópole como Nova York uma população imensa de alienígenas conseguia conviver, numa boa e às escondidas, com o resto da humanidade. A organização dos sujeitos de terno, óculos e atitude servia para monitorar os visitantes e não deixar que nada ou ninguém destruísse a Terra no processo.
O diretor F. Gary Gray no set com Tessa Thompson e Chris Hemsworth
A máquina, entretanto, precisa girar. Com quase 600 milhões de dólares em caixa, o filme se tornou uma marca, gerando uma série animada, brinquedos e duas continuações, em 2002 e em 2012. Mesmo com Smith e Jones se afastando, o estúdio parecia determinado a dar sobrevida à série, considerando inclusive um crossover com outro produto da casa, Anjos da Lei (eu daria um braço para ver esse filme). Por fim, a decisão foi deixar Nova York e mostrar como a organização operaria em todo o mundo, com "escritórios" dos dois lados do Atlântico. Chris Hemsworth garfou o holofote, dividido com equilíbrio com sua parceira de Thor Ragnarok, Tessa Thompson. Liam Neeson surge como um agente veterano, a ameaça é colocada na mesa e voilá: uma nova "franquia" quentinha saindo do forno.
Mas nada é igual sem Will Smith. A trama de Homens de Preto Internacional espelha, meio que na cara de pau, a do primeiro filme. O figurão de uma raça alienígena é atacado na Terra e revela um artefato capaz de demolir galáxias. Seguro com os agentes M (Thompson) e H (Hemsworth), o objeto é alvo de uma dupla de ETs com poderes invocados, e o elenco vai de Londres a Paris a Marrakesh a Nápoles para desbaratar o complô. Tem comédia. Tem dois astros bacanas. Tem ação. Tem aliens engraçadinhos e efeitos visuais decentes. Mas falta charme, tempero, falta a conexão emocional que o personagem de Smith, mais humano mesmo se colocando à parte da humanidade, trazia. Tessa Thompson ainda tenta interpretar a pessoa normal tragada pelo mundo dos Homens de Preto. Mas lhe falta a simpatia para que a gente acredite em seu encantamento.
Cada filme tem o porg que merece…
Will Smith e Tommy Lee Jones tinham, claro, o melhor dos aliados na figura do diretor Barry Sonnenfeld. Geek de primeira do lado de cá das câmeras, o cineasta imprimiu um tom esquisitão em seus filmes – mesmo no preguiçoso Homens de Preto II -, um estilo que casou à perfeição com o mundo de aliens escondidos sob o nosso nariz. Em suas mãos, MIB equilibrava a comédia e a fantasia de forma brilhante. F. Gary Gray, por outro lado, deixa a comédia de lado e se concentra na ação. O responsável por Velozes e Furiosos 8 traz mais tiroteios, mais brigas e mais perseguições, mas seu olhar não se fixa em detalhes. Não existe personalidade em seus heróis ou suas criaturas, elas apenas estão lá. Como os gêmeos Laurent e Larry Bourgeois, que surgem como principal ameaça, mas entram mudos e saem calados, em nenhum momento criando um vilão memorável como o Edgar de Vincent D'Onofrio.
Curiosamente, não é a primeira vez que Gray assume um filme criado anteriormente por Sonnenfeld: ele assinou Be Cool, sequência capenga do delicioso O Nome do Jogo, que não conseguiu elevar a temperatura nem ao reunir John Travolta e Uma Thurman. É a diferença fundamental entre um operário e um autor. O primeiro é constantemente correto, e surpreende quando cria algo acima da média – Straight Outta Compton é seu grande filme até então. Já o segundo com certeza comete algumas bombas (eu sofri com Férias no Trailer, com Robin Williams), mas tem uma visão muito clara de sua obra e é capaz de momentos de sublime grandeza. Homens de Preto Internacional podia ir além? Talvez. Mas há muito o conceito deixou de ser uma aposta para se tornar um produto corporativo, e seria necessário o toque de um gênio para colocar o raio em uma garrafa de novo. E sem Will Smith, verdade seja dita, o time entra em campo desfalcado. Mas, como diria Parreira, o empate é um bom resultado.
Sobre o autor
Roberto Sadovski é jornalista e crítico de cinema. Por mais de uma década, comandou a revista sobre cinema "SET". Colaborou com a revista inglesa "Empire", além das nacionais "Playboy", "GQ", "Monet", "VIP", "BillBoard", "Lola" e "Contigo". Também dirigiu a redação da revista "Sexy" e escreveu o eBook "Cem Filmes Para Ver e Rever... Sempre".
Sobre o blog
Cinema, entretenimento, cultura pop e bom humor dão o tom deste blog, que traz lançamentos, entrevistas e notícias sob um ponto de vista muito particular.