American Pie: há 20 anos as "comédias sexuais" davam seu último suspiro
Roberto Sadovski
09/07/2019 04h28
Duas décadas atrás, Jim achou que seria uma boa ideia usar uma torta para, digamos, "aliviar" seus hormônios. Meio que funcionou. American Pie, comédia assinada por Paul e Chris Weitz, chegou aos cinemas ianques em uma temporada já atribulada por Star Wars, A Múmia e O Paizão, mas 102 milhões de dólares em caixa depois (somando 236 milhões em todo o mundo) mostraram que o cinema ainda tinha espaço para a mistura de sexo, adolescentes e nudez. Seria um renascimento da teen sex comedy, sub-gênero que embalou o relacionamento de uma geração inteira com a videolocadora do bairro, que viveu seu auge nos anos 80 com O Último Americano Virgem, Porky´s e dúzias de outros genéricos. American Pie, entretanto, terminou por colocar uma pedra sobre o caixão da mistura, que na virada do século, com as novas regras do convívio social, tornou-se ligeiramente indigesta. Não que isso tenha impedido Hollywood de tentar, de todas as maneiras, lucrar enquanto pudesse.
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Não que ninguém não enxergasse a colisão dos extremos. O fim do século 20 trouxe uma profusão de produções dispostas a desconstruir subgêneros populares – como os filmes de terror, dissecados por Wes Craven em Pânico, de 1996. American Pie, por sua vez, não trazia a ambição de explorar uma narrativa com adolescentes querendo transar com alguma lupa: a ideia era mesmo buscar o limite da vulgaridade, aplicando uma fórmula que Hollywood já abusava nos anos 60. Afinal, clássicos como Quanto Mais Quente Melhor, Confidências à Meia-Noite e Irma La Douce já apimentavam o humor com sexo – ao menos no limite permitido pela época. A revolução sexual eliminou a sutileza da equação, e os anos 70 viram seu auge no gênero com o genial Clube dos Cafajestes, de John Landis, que abriu espaço para cineastas menos inventivos e mais vulgares invadirem os cinemas – e as videolocadoras – com títulos como A Vingança dos Nerds, A Grande Encrenca, Férias do Barulho (com Johnny Depp circa A Hora do Pesadelo) e Aventuras no Paraíso. Porky´s, por sinal, foi um sucesso que rendeu duas continuações e 165 milhões de dólares – no Brasil, Losin´ It, com Tom Cruise perdendo a virgindade no México, ganhou o título bisonho de Porky 3, sem absolutamente nenhuma conexão com a série.
Oz (Chris Klein), Finch (Eddie Kaye Thomas), Kevin (Thomas Ian Nicholas) e Jim (Jason Biggs) só querem chegar na terceira base…
American Pie chegou aos cinemas quando a sex comedy já estava em baixa, depois de uma década que rendeu pérolas genuínas como Picardias Estudantis e Negócio Arriscado. Um ano antes, Quem Vai Ficar com Mary? reabriu espaço para um estilo de comédia mais, digamos, cru. Mas os irmãos Farrelly ainda tinham uma certa inocência, que os Weitz só não repetiram por conta de um fator determinante para cravar o abismo entre uma comédia para adultos e uma genuína sex comedy: seios nus. Se nos anos 80 uma geração de atrizes não tinha o menor problema em deixar suas roupas no chão em nome de algumas risadas, a turma do final do século 20 trazia mais reservas quando o roteiro pedia pele. No noir canastrão Garotas Selvagens, de 1998, Denise Richards não se furtou em mostrar seus atributos físicos; Neve Campbell, por outro lado, escondeu-se em ângulos nada reveladores. Em American Pie, foi Shannon Elizabeth que encarou o papel-clichê da estudante de intercâmbio que, ao contrário dos colegas americanos, tinha uma relação mais liberal com o próprio corpo.
Ainda assim, Paul e Chris Weitz nunca abraçaram a vulgaridade que o gênero transformou em marca na década anterior, preferindo conter a mão mesmo quando o texto não era exatamente Shakespeare – como Jim (Jason Biggs) e sua ejaculação precoce incontrolável ao dividir o quarto com Nadia (justamente Shannon Elizabeth), ou mesmo a cena que dá título ao filme, envolvendo o mesmo Jim e uma torta saída do forno. O roteiro é a bobagem de sempre. No verão antes de uma turma partir para a vida universitária, quatro amigos (além de Biggs, Chris Klein, Thomas Ian Nicholas e Eddie Kaye Thomas) combinam que o único objetivo das férias será transar – ou com suas namoradas (o caso de Klein e Nicholas), ou com quem se mostrar disponível (Thomas termina com uma mulher mais velha, Jennifer Coolidge, referida no roteiro como "A Mãe de Stifler"). Ah, Stifler: no papel do machista de plantão, mas que esconde uma natureza mais doce, Seann William Scott mostrou-se o grande astro do filme. Antevendo o equilíbrio de gêneros do século seguinte, por fim, o elenco feminino trazia Tara Reid, Mena Suvari, Alyson Hannigan e Natasha Lyonne.
Jim ouve as dicas preciosas do seu pai (Eugene Levy)
Os dólares ouriçaram os executivos dos estúdios, e por um breve segundo as comédias sexuais pareciam se aglutinar num tsunami. Mas não foi bem assim. Eurotrip, Superbad e Show de Vizinha, por exemplo, trazem alguns elementos comuns a seus ancestrais. Mas a nudez é tímida, e a vulgaridade, sutil. Amor à Toda Prova, com Ryan Gosling e Emma Stone, é doce. O Dono da Festa, com Ryan Reynolds, é só bocó. Judd Apatow mudou o panorama da comédia moderna com O Virgem de 40 Anos e Ligeiramente Grávidos, com textos mais sofisticados e relacionamentos menos efêmeros. O último grande sucesso que fez os cinemas estremecerem com gargalhadas foi Se Beber, Não Case – e nada poderia estar mais longe de uma sex comedy do que a noite alucinante em Las Vegas de Bradley Cooper e cia. American Pie, no fim das contas, foi um último suspiro de um subgênero que há muito não fazia mais rir.
Bom, "último suspiro" com muitas aspas! O sucesso do primeiro filme acelerou uma continuação ainda mais bem sucedida em 2001 (rendendo 290 milhões de dólares), fechando a "trilogia" em 2003 com American Pie: O Casamento (231 milhões). A tentativa de repetir os números resultou no cansado American Pie: O Reencontro, de 2012, que mesmo emplacando alto nas bilheterias mundiais (235 milhões, terceira melhor bilheteria da série), teve resultado flácido em casa, e o elenco, que há muito deixara a adolescência, jogou a toalha. A marca, porém, teve vida longa no mercado direto para DVD, com quatro outros filmes, todos horrorosos, lançados com certo sucesso entre 2005 e 2009. O cinema dificilmente vai apostar em outras comédias sexuais adolescentes – em tempos politicamente corretos, nem toda desconstrução do planeta salvaria um filme que tem como objetivo tirar a roupa de seu elenco feminino. Mas Hollywood vive em torno de produtos corporativos, e é difícil guardar na gaveta um título que, custando migalhas, rendeu quase 1 bilhão de dólares. Quando dinheiro é o idioma, sempre há espaço para explorar uma nova primeira vez… American Pie: A Nova Geração?
Sobre o autor
Roberto Sadovski é jornalista e crítico de cinema. Por mais de uma década, comandou a revista sobre cinema "SET". Colaborou com a revista inglesa "Empire", além das nacionais "Playboy", "GQ", "Monet", "VIP", "BillBoard", "Lola" e "Contigo". Também dirigiu a redação da revista "Sexy" e escreveu o eBook "Cem Filmes Para Ver e Rever... Sempre".
Sobre o blog
Cinema, entretenimento, cultura pop e bom humor dão o tom deste blog, que traz lançamentos, entrevistas e notícias sob um ponto de vista muito particular.