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Hobbs & Shaw é comédia para adolescentes movida a carisma, bordões e bíceps

Roberto Sadovski

31/07/2019 18h00

Hobbs & Shaw, primeiro spin off da série Velozes & Furiosos, é o equivalente cinematográfico de uma man cave, a "caverna do macho" que todo adulto com uma pá de responsabilidades e cheio de boletos para pagar entope com traquitanas que ajudam a se "reconectar" com sua masculinidade, digamos, perdida. Não é nenhum exagero dizer que a aventura dirigida por David Leitch (Atômica, Deadpool 2) é o "filme de menino" supremo, em que transbordam tiroteios, explosões, perseguições de supercarros e uma frase auto afirmativa encharcada de testosterona a cada dez minutos. É escapismo ao extremo, ancorado por um par de astros (nem coloco "atores" porque o músculo cênico aqui não é exercitado) movidos a carisma, a bordões e a bíceps. Funciona? Ok, até que funciona, se você deixar a lógica de molho e abraçar Hobbs & Shaw pelo que ele é: uma comédia infantil anabolizada que vai funcionar para adolescentes de 12 anos como overdose de açúcar.

Deve-se aplaudir o esforço coletivo de Dwayne Johnson e Jason Statham em desvincular-se da série Velozes & Furioso – quintal do astro Vin Diesel que não abre espaço para nada além de uma coleção de coadjuvantes. Mas a saga de Dom Toretto ao menos tem uma visão para ancorar a coisa toda: fosse glorificando corridas urbanas, fosse se reinventando como filme de roubo, tudo servia para jogar uma luz no conceito de família, sempre mais amplo que laços de sangue. Hobbs & Shaw tenta traçar o mesmo caminho, mas fica logo óbvio que a vocação de seus protagonistas é mesmo o bromance desfuncional, com os astros como uma versão crossfit de Jack Lemmon e Walter Matthau em Um Estranho Casal. A ótima Vanessa Kirby, em cena como a irmã do personagem de Statham, faz o possível para quebrar o molde e dar ao filme verniz empoderado, mas é em vão: o charme da aventura, além das pontas surpreendentes de amigos que parecem ser colocados em cena durante uma visita ao set, é mesmo ver a dupla em um sparring verbal tão absurdo quanto divertido.

Vanessa Kirby é a donzela nada em perigo entre os machos-alfa

Claro que existe um fiapo de trama para amarrar tudo isso, envolvendo um vírus letal (que já não era novidade quando Tom Cruise teve de salvar o mundo quase duas décadas atrás no segundo Missão: Impossível), agentes do governo acusados de traição, uma organização criminosa que age nas sombras a nível global e um supervilão capaz de varrer o chão com a cara de nossos heróis. Aqui ele atende por Brixton, papel de Idris Elba, parceiro das antigas de Shaw que, após ser dado como morto, ressurge como um terrorista cibernético casca-grossa, pilotando uma moto tão eficiente quanto o cavalo Silver do Cavaleiro Solitário, disposto a tomar o lugar dos protagonistas como macho-alfa da coisa toda. O roteiro de Chris Morgan e Drew Pearce existe para amarrar a história com cenas de ação mais e mais bombásticas, a ponto de deixar o público amortecido. É um problema já experimentado pelos Velozes & Furiosos mais recentes: os efeitos digitais são tão desavergonhados que não existe mais nenhum fator de risco, já que a mente dispara que nada ali é real.

O que é real, entretanto, é a entrega de Statham e Johnson aos personagens. Ao contrário de Vin Diesel, que encara Velozes & Furiosos como obra shakespeareana (ele tentou de fato caçar uma indicação ao Oscar de melhor filme para a última produção), os astros de Hobbs & Shaw sabem que seu terreno é o escapismo, uma celebração do excesso extremo do cinema de ação. São cientistas que abraçam o estereótipo do nerd de laboratório. São traficantes russas com cara de supermodelo. É o vilão que tortura os heróis (mas não os mata de cara) enquanto revela todo o plano. É James Bond com a sutileza de um trator! Cada pedaço de diálogo jamais seria articulado por um ser humano, mas a dupla capricha nos impropérios um contra o outro como se isso fosse mais importante do que salvar o mundo ("O que, segundo minhas contas, será a quarta vez", diz Hobbs, super sério). Existe um claro equilíbrio de forças, e ressaltar as diferenças entre Statham (britânico, elegante e bem articulado) e Johnson (americano, exagerado e falastrão) é uma boa estratégia para que ninguém preste tanta atenção no  absurdo da trama.

Idris Elba se apresenta como vilão – e quem é que vai discordar?

Existe, obviamente, um plano por trás de Hobbs & Shaw, e não é ao acaso que Dwayne Johnson e Jason Statham assinem o filme também como produtores. Embora ambos sejam bem sucedidos como produtos-solo, é inegável a força de uma parceria no cenário hollywoodiano atual, em que a criação de "universos" é a bola da vez e a sugestão de outros derivados garante a longevidade da empreitada – o gancho óbvio no final sinaliza que uma continuação já já vai para o forno. No cinemão do século 21, um filme bombástico e caro como este representa, paradoxalmente, o investimento mais seguro para os bolsos de quem paga a conta. O risco é zero quando Hobbs & Shaw não vai além do denominador comum, mesmo que anabolizado por esteroides, entregando exatamente a fatia de entretenimento prometida pelos nomes no topo do cartaz. É longo (135 minutos de caos), é ridículo, é honesto, é divertido. E é também impessoal e nada memorável – o que significa que cada nova sessão e cada novo filme vai soar como se fosse a primeira vez. Garotos espertos.

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Sobre o autor

Roberto Sadovski é jornalista e crítico de cinema. Por mais de uma década, comandou a revista sobre cinema "SET". Colaborou com a revista inglesa "Empire", além das nacionais "Playboy", "GQ", "Monet", "VIP", "BillBoard", "Lola" e "Contigo". Também dirigiu a redação da revista "Sexy" e escreveu o eBook "Cem Filmes Para Ver e Rever... Sempre".

Sobre o blog

Cinema, entretenimento, cultura pop e bom humor dão o tom deste blog, que traz lançamentos, entrevistas e notícias sob um ponto de vista muito particular.