Os Reis do Iê Iê Iê e os 50 anos do musical como souvenir
Os Reis do Iê Iê Iê, ou A Hard Day's Night, chegou aos cinemas no auge da beatlemania que tomava o mundo de assalto. O plot do musical de Richard Lester é uma bobagem, uma desculpa para colocar o quarteto de Liverpool em cena e aumentar a mítica em torno dele. Funcionou. Ver John, Paul, George e Ringo, em glorioso preto e branco, fugindo de fãs ensandecidas ao som de algumas das melhores canções da história é um deleite. Os Reis do Iê Iê Iê é menos um filme e mais uma celebração: de fãs e para fãs. Não é a toa que, cinco décadas depois de seu lançamento, o musical continue sendo tão influente, uma cartilha para qualquer banda de rock/pop destinada a conquistar o planeta. Com a vantagem que, hoje, é mais fácil levar a lembrancinha para casa.
Em 1964, por outro lado, curtir os Beatles no cinema era literal: não havia outra maneira de mergulhar no filme. Embora o objetivo comercial de A Hard Day's Night sempre estivesse explícito, houve uma clara preocupação com sua forma e conteúdo, fazendo que o resultado não fosse um souvenir vazio. Assim como boa parte da produção que envolve os Beatles, não existia uma fórmula a ser seguida, eles estavam inventando o formato ali, naquele momento. Os fãs, claro, responderam com entusiasmo, e Os Reis do Iê Iê Iê foi um sucesso. Imagino o quanto deveria ser frustrante não poder levar nada além das lembranças para casa – e imagino também que isso fosse o motor que motivou tantos fãs a buscar lascas de realidade para marcar o momento. Em Febre de Juventude, comédia sobre a beatlemania que Robert Zemeckis dirigiu em 1978, essa vontade de ter um pedaço de seu ídolo – seja um recorte do lençol onde ele deitou, um autógrafo, uma foto, a grama onde ele pisou (!) – é mostrada de maneira exagerada e divertida, mas não menos verdadeira.
Corta para 2013. Um dos maiores fenômenos pop do planeta hoje é o One Direction, uma boy band criada em laboratório e responsável por despertar as mesmas paixões juvenis. Eles aprenderam as lições dos Beatles direitinho – e, não, não estou falando da música. Suas canções são apenas parte do pacote, que é inflado com todo tipo de produto, de álbuns de figurinhas a roupas e acessórios. E, claro, um filme para cinema: One Direction: This Is Us, que eu mesmo comentei por aqui. Desta vez, o ciclo está completo; a música, um detalhe. Os ídolos podem ser levados para casa e colados na parede do quarto até a onda seguinte.
Entre os Beatles e o One Direction, dezenas de grupos pop, de qualidade flutuante, embarcaram no mesmo modelo, com graus diferentes de sucesso. Os Monkees na TV ianque. O Pink Floyd e o The Who entregando filmes menos auto-celebratórios e mais ambiciosos (The Wall e Tommy, respectivamente), deixando as linhas entre música, cinema, arte e contemplação cada vez mais opacas. As Spice Girls e seu Spiceworld. Martin Scorsese (O Último Concerto de Rock), Jonathan Demme (Stop Making Sense), Rob Reiner (This Is Spinal Tap), Cameron Crowe (Quase Famosos), Michael Winterbottom (A Festa Nunca Termina) – grandes diretores, grandes filmes, bandas reais e imaginárias. E tudo começou cinquenta anos atrás, com quatro rapazes de Liverpool fugindo de fãs, fazendo boa música e curtindo a vida.
"… and I've been workin' like a dog…."
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