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Numa bela jogada de marketing, Guerras Secretas vai zerar o Universo Marvel

Roberto Sadovski

21/01/2015 04h27

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O Universo Marvel vai acabar nos quadrinhos. Só que não. A série Guerras Secretas, grande evento do verão da editora, vai fazer com a Marvel o que a concorrente DC já aprendeu a desenrolar há décadas: passar uma régua e começar com o canvas em branco. Basicamente, Guerras Secretas, que chega às comic shops ianques em maio, é para a editora o que Crise nas Infinitas Terras foi para a DC nos anos 80 – leia mais sobre a nova série nessa reportagem do UOL. Então todo esse papo alarmista de "a Marvel vai acabar" e "nada será como antes" é, ao mesmo tempo, uma ferramenta de marketing excelente, uma desculpa para realinhar décadas de personagens, tramas e continuidade e uma balela tremenda, já que X-Men, Homem-Aranha, Homem de Ferro e cia. não sairão de cena. Ao menos, não a princípio…

Para dar contexto à coisa, a DC experimentava uma miríade de universos paralelos e personagens que se atropelavam porque, desde que fora criado em 1938 quando o Superman enfeitou a capa da primeira edição de Action Comics, o mundo mudou. Quando o Flash e o Lanterna Verde foram reinterpretados com uma pegada forte de ficção científica durante a Era de Prata dos quadrinhos nos final dos anos 50, suas versões antigas foram jogadas em outra "realidade". Com o tempo, as linhas temporais diferentes começaram a se confundir com os heróis de outras editoras compradas pela DC (Shazam! da Fawcett; Capitão Átomo, Questão e outros da Charlton), e os figurões decidiram juntar toda a bagunça em um único universo coeso: assim, Crise nas Infinitas Terras, de Marv Wolfman e George Pérez, colocou ordem na casa.

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Crise nas Infinitas Terras arrumou a casa na DC

Desde que iniciou seu universo, em 1961, a Marvel nunca precisou passar a borracha em sua cronologia ou em seus personagens. Eventos como "Heróis Renascem", "Era de Apocalypse", "Dinastia M" e "Era de Ultron" introduziram a ideia de mundos paralelos na continuidade dos personagens, e tudo que ocorria durante as histórias refletia em sua linha do tempo. Ao mesmo tempo, a criação de outras cronologias, como o Universo Ultimate nos anos 2000, mantinha-se à parte das séries principais – mesmo que houvesse a sugestão que elas pudessem entrar em choque (e entraram). Com o relançamento de todos os títulos Marvel sob a bandeira MARVEL NOW, a linha entre os universos diferentes se mostrou cada vez mais tênue, em especial em Vingadores e Novos Vingadores, ambos escritos por Jonathan Hickman. Ao longo dos últimos anos, Hickman mostrou a incursão de Terras paralelas ocupando o mesmo espaço e tempo – e uma delas sendo destruída para a preservação da outra. Guerras Secretas é o clímax de toda essa saga.

A série em oito partes começa com a destruição de todos os mundos paralelos da Marvel, com fragmentos intactos combinados em um Mundo de Batalha, que ao fim da trama culminará em um novo universo unificado. Na prática, os heróis da linha Ultimate (como o Homem-Aranha Miles Morales) e personagens introduzidos no recente "Spiderverse", ou "Aranhaverso", que traz uma Gwen Stacy viva e com poderes aracnídeos, dividirão o mesmo teto. "Estamos pegando os maiores e melhores pedaços da história da Marvel e vendo como eles coexistem com facilidade", diz Axel Alonso, editor-chefe da empresa. "Não espero que todos fiquem felizes com o que vamos fazer, mas acho que a leitura de Guerras Secretas e além será fascinante."

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Nos anos 80, a Marvel criou seu Mundo de batalhas com a mega série Guerras Secretas

Ou seja, a Marvel não está zerando sua cronologia como fez a DC recentemente com os Novos 52, que simplesmente apagou sete décadas de história e recomeçou toda sua saga – com alguns resultados canhestros. A idéia de Guerras Secretas é deixar todos os brinquedos em uma só caixinha, fazendo com que heróis familiares possam ser reapresentados de maneira original e inovadora. Na prática, a minissérie é o ponto de partida ideal para a Marvel "consertar" o que bem entender em sua história, trazendo de volta personagens há muito mortos (como a própria Gwen Stacy) e reconstruindo sua história.

Claro que o sucesso do Universo Cinematográfico Marvel também tem influência no evento dos gibis. Ter um universo coeso facilita a transição de personagens do papel para outras mídias, ao mesmo tempo em que reforça a marca Marvel para o público além do leitor de quadrinhos. Mas será curioso ver como Guerras Secretas vai lidar com heróis fora do alcance da Marvel no cinema, como os X-Men e o Quarteto Fantástico – o Homem-Aranha, como eu comentei aqui, continua a incógnita à espera de uma confirmação oficial. Do ponto de vista comercial, por sinal, é uma estratégia brilhante, já que todos os títulos serão reiniciados mais uma vez, dando chance a novos leitores experimentar uma série do começo, e não a partir da edição número 657.

Não há, portanto, motivo para alarde. Guerras Secretas e o "fim de tudo que existe" é, acima de tudo, uma grande jogada promocional para lembrar ao mundo que, longe do cinema, existe uma pá de títulos da Marvel à disposição, levando seus personagens a patamares que o cinema, por limitações de tempo e orçamento, jamais pode alcançar. O trabalho de Hickman à frente de Vingadores e Novos Vingadores não foi menos que brilhante, um passo bem além do que pode ser esperado de uma história em quadrinhos mainstream de super-heróis. Se tudo der errado? Aí, meu caro, eu coloco uma lista de clássicos para a gente reler e lembrar por que fomos fisgados em primeiro lugar.

 

Sobre o autor

Roberto Sadovski é jornalista e crítico de cinema. Por mais de uma década, comandou a revista sobre cinema "SET". Colaborou com a revista inglesa "Empire", além das nacionais "Playboy", "GQ", "Monet", "VIP", "BillBoard", "Lola" e "Contigo". Também dirigiu a redação da revista "Sexy" e escreveu o eBook "Cem Filmes Para Ver e Rever... Sempre".

Sobre o blog

Cinema, entretenimento, cultura pop e bom humor dão o tom deste blog, que traz lançamentos, entrevistas e notícias sob um ponto de vista muito particular.