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Filme da Semana do Sadovski: Vingadores: Era de Ultron

Roberto Sadovski

24/04/2015 16h13

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Vingadores: Era de Ultron representa o fim do cinema. Ok, não "o fim do cinema", mas um passo além na fórmula a que estamos acostumados. A aventura dirigida por Joss Whedon é, ao mesmo tempo, um episódio em uma longe série que não dá o menor sinal de que vai terminar e uma narrativa redonda, com começo, meio e fim. A segunda parte, claro, só é possível graças ao talento de Whedon em construir uma história que, mesmo fazendo parte de um todo, consegue ser auto suficiente. Ainda assim, é parte de um todo. Era de Ultron marca o fim de Fase Dois do Universo Cinematográfico Marvel (seu "epílogo", Homem-Formiga, estreia em julho), contando uma trama sobre heróis e vilões, com grandes cenas de ação amarradas por ótimos diálogos e um elenco afiado e à vontade, que também prepara o terreno para o futuro. Já era de se esperar. Nos quadrinhos, a Marvel vem contando uma grande saga há mais de cinco décadas, movendo as peças e deixando seus personagens sempre à beira da próxima revolução – ou ameaça. Em menos de dez anos, o estúdio fez o mesmo no cinema (e também na TV), apresentando episódios de uma grande história que, a certo momento, precisa de um recap para funcionar.

Não que um neófito não seja entretido por Era de Ultron. Mas é muito mais fácil mergulhar neste universo tendo passado os olhos nos dez filmes que o precederam. Fica ainda mais fácil porque Joss Whedon, o produtor Kevin Feige e cia. não seguiram a rota Michael Bay de "maior é melhor". Apesar de ser uma trama global, Era de Ultron não parece mais explosivo do que seu antecessor, que em 2012 se tornou a terceira maior bilheteria da história. Ainda é uma trama de alicerce em seus personagens e em seus conflitos. Ainda é um filme com uma visão (mas a gente chega já nisso). Acima de tudo, é um filme sobre o medo. Depois de uma abertura explosiva, com os Vingadores atacando um castelo que é a última linha de resistência da HYDRA, organização combatida pelo Capitão América durante a Segunda Guerra Mundial, e que teve seus tentáculos corrompendo a agêndia mantenedora de paz S.H.I.E.L.D., a equipe é exposta ao fruto das experiências do barão Strucker (Thomas Kritschmann) com humanos: os gêmeos Pietro (Aaron Taylor-Johnson) e Wanda (Elisabeth Olsen) Maximoff. Nos quadrinhos, eles são mutantes, mas o termo não pode ser usado pela Marvel no cinema por ser propriedade da Fox. De resto, são os mesmos personagens. O primeiro é um velocista. A segunda, telepata, telecinética e capaz de revelar os desejos e os temores mais profundos na mente de qualquer um.

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Ultron só quer ser feliz – e matar todo mundo no planeta

É este temor que leva Tony Stark (Robert Downey Jr.) a, em posse do cetro usado por Loki (Tom Hiddleston) no filme anterior, avançar seu projeto de paz mundial, uma inteligência artificial capaz de controlar robôs capazes de vigiar o planeta. A intenção de Stark é nobre – afinal, ele teve o vislumbre de uma ameaça alienígena que talvez fôssemos incapazes de combater –, mas o resultado é um desastre. Seu projeto, tocado com Bruce Banner (Mark Ruffalo), adquire consciência e personalidade. Batizado Ultron, ele percebe que a extinção dos Vingadores e a eliminação da vida humana na Terra é o único caminho para a paz. A premissa simples é transformada num roteiro esperto por Whedon. Ele precisa, afinal, lidar com um elenco gigante, dar a todos um arco satisfatório, amarrar tudo com o espetáculo que se espera de um filme dessa escala e salpicar pistas para o futuro dos heróis no cinema. O fato de ter sucesso é testemunho de seu imenso talento como contador de histórias. Fazer isso em escala humana, deixando que os efeitos especiais sejam apenas ferramenta para contar a história, é um triunfo ainda maior.

Como o medo é o que impele a trama, o plot mais satisfatório envolve justamente Bruce Banner (que vive em constante temor de perder o controle para seu alter-ego, o Hulk) e Natasha Romanoff, a Viuva Negra, treinada para ser uma assassina e ainda se ajustando à condição de salvadora do mundo. Sugerir um romance entre os dois é uma sacada perfeita, e seu diálogo em um dos poucos momentos silenciosos do filme, logo depois de a equipe sofrer uma derrota homérica, traz tensão, ternura e emoção difíceis de testemunhar em uma aventura tão explosiva. Ainda bem que Whedon entende que os personagens precisam funcionar para que as cenas de ação não pareçam vazias. Pela primeira vez, os Vingadores são mostrados como uma unidade de combate azeitada, em que o uso de suas habilidades não faz com que o filme seja uma coleção de pancadaria – tecnicamente perfeito, o diretor ainda arma dois planos-sequência, um na abertura do filme, outro em seu clímax, que dão dimensão da escala em que a Marvel opera atualmente. Acima de tudo, Era de Ultron é lindo de ver.

Claro que poderíamos passar mais tempo com o personagem-título, uma construção artificial fascinante, que ganha expressão e voz pelo ator James Spader. Ultron diz buscar a paz, mas suas intenções são mais egoístas e terrivelmente humanas: ele busca a destruição de seu criador, Tony Stark, por enxergar o fato de ser originalmente um programa como um sinal de servitude. Ultron é como o "pai": sarcástico, humor peculiar, adicionado à um desejo assassino motivado por um grande propósito. É Stark sem nenhuma amarra moral. Curiosamente, é Ultron quem cria o Visão, um "sintozóide" biomecânico desenhado para receber sua consciência, mas que termina abrigando a evolução de Jarvis, a inteligência artificial rudimentar que auxilia Stark desde o primeiro Homem de Ferro, em 2008. Não é ao acaso que Paul Bettany, a voz de Jarvis desde então, empresta agora seu corpo ao personagem. Terno e cheio de compaixão ("É com admiração que eu enxergo as falhas da humanidade", chega a dizer), o Visão é de longe o personagem mais interessante do longa – por não ser fã de spoilers, basta dizer que parte de sua criação é chave para o futuro da Marvel no cinema e também da nova equipe que surge ao fim da aventura

Vingadores: Era de Ultron não é tão divertido quanto seu antecessor, mesmo que não abra mão do humor e de momentos de furor coletivo no cinema: quando o Homem de Ferro veste uma armadura que parece um tanque para tentar frear um Hulk descontrolado, é impossível conter a empolgação. Mas é um filme mais denso de temas mais complexos: o medo do fracasso, a evolução da tecnologia que corre o risco de nos desumanizar, os sacrifícios por um bem maior. Como não precisa explicar como o time funcionaria em cena, e sim mais focado em mostrar o que os deixa unidos, é uma narrativa mais consistente. E ainda consegue dar ao Gavião Arqueiro (Jeremy Renner) o arco mais satisfatório. Talvez por deixá-lo como um zumbi em controle mental por quase todo o primeiro filme, Whedon tenha pensado em dobro para lhe dar mais importância dentro do time – a certa altura, o próprio personagem diz que não faz sentido, em meio a um combate com um exército de robôs, ele ser só humano com um arco e flecha. Mas Renner termina com a frase definitiva sobre heroísmo e termina sendo a cola que mantém a equipe unida. Por nunca perder a humanidade de vista, sem deixar o espetáculo de lado, Vingadores: Era de Ultron continua sendo modelo perfeito para o que pode ser um blockbuster de primeira.

Leia sobre os novos personagens de Era de Ultron aqui.

Eu falei sobre Vingadores: Era de Ultron, em Nerdovski:

Nerdovski – "Vingadores: Era de Ultron" não é um filme divertido, é sombrio

Ah, e veja o trailer do filme.

Novo trailer legendado de "Os Vingadores 2: Era de Ultron"

Sobre o autor

Roberto Sadovski é jornalista e crítico de cinema. Por mais de uma década, comandou a revista sobre cinema "SET". Colaborou com a revista inglesa "Empire", além das nacionais "Playboy", "GQ", "Monet", "VIP", "BillBoard", "Lola" e "Contigo". Também dirigiu a redação da revista "Sexy" e escreveu o eBook "Cem Filmes Para Ver e Rever... Sempre".

Sobre o blog

Cinema, entretenimento, cultura pop e bom humor dão o tom deste blog, que traz lançamentos, entrevistas e notícias sob um ponto de vista muito particular.