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Não existe um James Bond ruim: cada um é o retrato de seu tempo

Roberto Sadovski

06/11/2015 07h18

Daniel Craig, que estreia agora 007 Contra Spectre, é o melhor ator a interpretar James Bond. Mas isso não é demérito ao legado do personagem nem tampouco aos atores que o precederam no papel. Bond é um homem de sua época, e quando falamos de um personagem que há mais de cinco décadas habita o inconsciente coletivo, é impossível apontar qual seria o personagem "real". De Sean Connery a Craig, cada intérprete do espião inglês foi um retrato de seu tempo, da Guerra Fria ao cinismo impessoal dos anos 80, alcançando as superproduções da virada do século e, por fim, sua desconstrução. Cada um adicionou algo à mistura. (Exceto, talvez, George Lazenby…)

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Sean Connery

O ano era 1962, auge do conflito não declarado entre Estados Unidos e União Soviética, que dividiu o mundo em duas ideologias competindo silenciosamente pelo controle. A época perfeita para um espião ocidental dar voz e corpo a um mundo que ansiava por um lado "do bem" no conflito. Assim surgiu James Bond em 007 Contra o Satânico Dr. No: um anti herói violento, frio, misógino, leal apenas à Rainha e ao país. Sean Connery foi o avatar perfeito, guiado do lado de cá das câmeras pelo diretor Terence Young para personificar o sujeito sofisticado e elegante, ao mesmo tempo em que sempre estava preparado para a ação. Seu Bond é icônico, talvez a melhor representação do exército de um homem só que, em um mundo dividido, era capaz de nos salvar do domínio do "mal" em uma cruzada solitária. A ameaça vermelha, nada sutil em Moscou Contra 007 (1963), aos poucos abriu espaço para a organização do mal Spectre, que representava o bloco vermelho e a extinção do mundo livre. 007 Contra Goldfinger (1964), 007 Contra a Chantagem Atômica (1965), Com 007 Só se Vive Duas Vezes (1967) e, após um intervalo (a gente chega já nele), 007 Os Diamantes São Eternos (1971), solidificaram Connery como, para muitos, o único e verdadeiro James Bond.

roger moore

Roger Moore

O que é uma tremenda bobagem, já que uma geração inteira tem Roger Moore como o mais perfeito 007. Com o mundo se distanciando da crueza da Guerra Fria, e o conflito do Vietnã deixando o planeta mais cínico, o Bond de Moore abraçou sem concessões o absurdo que era depositar a manutencão do mundo livre nas mãos de um único sujeito. Ele demorou para encontrar seu caminho, já que havia a sombra de Connery, e 007 Viva e Deixe Morrer (1973) e 007 Contra O Homem da Pistola de Ouro (1974) traziam uma indefinição sobre o tom certo do personagem com seu novo rosto. Tudo mudou com 007 O Espião Que Me Amava (1977), em que a "fórmula" do personagem encontrou sua representação máxima de absurdo – uma ironia perfeita para a época, que Moore personificou como nenhum outro. Seu Bond não se levava tão a sério, e abraçava seus traços mais detestáveis (machismo, misoginia, violência, irresponsabilidade) com tanto charme que era impossível não torcer para ele. O maior pecado de Moore, porém, foi se deixar envelhecer como Bond, estendendo sua estadia além dos limites em uma série completada por 007 Contra o Foguete da Morte (1979), 007 Somente Para Seus Olhos (1981), 007 Contra Octopussy (1983) e 007 Na Mira dos Assassinos (1985).

timothy dalton

Timothy Dalton

Com a saída de Moore, os produtores da série decidiram que era hora de cortar os excessos e, talvez, trazer um Bond mais próximo do idelaizado por Ian Fleming, criador do personagem. O ator shakespeareano Timothy Dalton topou o desafio de ser um 007 em uma época em que os valores defendidos pelo personagem não encontravam mais o tom no mundo moderno. Ao mesmo tempo, o cinema de ação vivia a era de ouro dos heróis "de verdade", em que filmes de ação como Máquina Mortífera e Duro de Matar torciam o legado dos heróis infalíveis com protagonistas que sangravam e sofriam. Bond não era aquilo, mas não podia ficar para trás, e Dalton sofreu em dois filmes apenas corretos que tentavam aproximar um personagem maior que a vida de problemas mais mundanos. 007 Marcado Para a Morte (1987) tratava, de certa forma, da aproximação das superpotências com o colapso total da Guerra Fria,  e 007 Permissão Para Matar (1989) é uma história de vingança emoldurada com a caçada a um traficante poderoso. Histórias adequadas à sua época – mas distantes da percepção do público sobre quem seria James Bond.

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Pierce Brosnan

Essa relação foi restaurada quando Pierce Brosnan entrou em cena. Em 1995 a "marca" James Bond já competia no cinema com dinossauros genéticos e heróis dos quadrinhos. Ainda assim, era o momento adequado para fazer de 007 um jogador em um tabuleiro global, em um mundo que já experimentava o colapso do comunismo, a queda do Muro de Berlim e o fim da necessidade de um espião com licença para matar. Este olhar fez com que a série abraçasse sua vocação para ser um blockbuster de fato, e a cada novo filme com Brosnan, a fórmula parecia mais e mais requentada – ainda que maior em escopo, mais cara e mais espetacular. Em uma época de excessos, Bond sucumbiu a seu próprio peso, com Brosnan, sempre elegante e emblemático como o personagem, encabeçando bons filmes como 007 Contra Goldeneye (1995), 007 O Amanhã Nunca Moore (1997), 007 O Mundo Não É o Bastante (1999, que tem uma sequência pré-créditos espetacular) e 007 Um Novo Dia Para Morrer. Este último comemorou os 40 anos de Bond, celebrando absolutamente tudo que série podia oferecer – de bom e de ruim. O cinema, porém, já tinha em Austin Powers uma paródia do espião inglês – que era justamente o que Bond se tornara.

Daniel Craig - New James Bond movie Casino Royale

Daniel Craig

Alguns anos de hibernação trouxeram Daniel Craig em 007 Cassino Royale em 2006. A palavra-chave era, então, "desconstrução". Batman Begins havia feito exatamente isso um ano antes com o Homem-Morcego, e uma volta ao básico era justamente o que a série precisava. Para isso, muitos fãs tradicionais torceram o nariz, já que o novo filme dispensava gadgets malucas, bases secretas mirabolantes e vilões grandiloquentes. Era um filme cru e preciso, reintroduzindo Bond como o homem que faz a coisa certa na hora certa, mas que não se esquiva de se apaixonar – que é exatamente o que acontece. Como os heróis do cinema moderno, James Bond versão século 21 é tão infalível quanto vulnerável, sangra mas continua se levantando porque é o certo, porque é o que ele sabe fazer. Apesar do protesto dos mais fundamentalistas, Craig é o ator perfeito para personificar este Bond, e sua desconstrução levou à inevitável reconstrução em 007 Quantum of Solace (2008), 007 Operação Skyfall (2012, que celebrou o cinquentenário do herói no cinema em talvez seu melhor filme desde Goldfinger) e, agora, em 007 Contra Spectre, que retoma justamente todas as marcas tradicionais de James Bond. Daniel Craig fecha o círculo e solidifica o 007 perfeito para a era moderna.

george lazenby

George Lazenby

Neste meio, pobre George Lazenby. Verdade seja dita: seu único filme como Bond, 007 A Serviço Secreto de Sua Majestade (1969), é arrebatador, uma pequena pérola de espionagem e estudo de personagem que, muito além do seu tempo, desconstruiu o espião fazendo com que ele somasse brutalidade e charme com habilidades dedutivas reais e um coração aberto: é a única vez em que James Bond se casa! Mas Lazenby, um ex-modelo que conseguiu o papel, na falta de outra definição, na cara de pau (ele entrou no escritório dos produtores, passando por toda a segurança, e anunciou que era o novo Bond – e assim foi), não tinha aquela qualidade indizível de astro de cinema que poderia mantê-lo no papel, já se esfarelando na premiére do filme, em que apareceu cabeludo e de barba, já que, jovem, não podia surgir em frente às câmeras como um agente secreto que representava o ápice da caretice. Este, aparentemente, é seu legado.

Sobre o autor

Roberto Sadovski é jornalista e crítico de cinema. Por mais de uma década, comandou a revista sobre cinema "SET". Colaborou com a revista inglesa "Empire", além das nacionais "Playboy", "GQ", "Monet", "VIP", "BillBoard", "Lola" e "Contigo". Também dirigiu a redação da revista "Sexy" e escreveu o eBook "Cem Filmes Para Ver e Rever... Sempre".

Sobre o blog

Cinema, entretenimento, cultura pop e bom humor dão o tom deste blog, que traz lançamentos, entrevistas e notícias sob um ponto de vista muito particular.