Mesmo rico em diversidade, o Oscar perdeu a chance de fazer história
Green Book foi escolhido o melhor filme na edição 2019 do Oscar. Até a próxima cerimônia, pode apostar, ninguém vai lembrar que o drama do mesmo diretor de Debi & Lóide sequer existe. Não que seja uma obra ruim, como eu mesmo comentei aqui. Mas foi uma escolha segura, otimista e alinhada com o momento político: racismo é o pano de fundo de uma história que é, na verdade, sobre amizade. Não é uma continuação de Conduzindo Miss Daisy, é praticamente uma refilmagem. Com o prêmio para o filme de Peter Farrelly, a Academia deixou seu recado bem claro: ainda não é o momento de estender o ramo de oliveira para a Netflix. Mesmo que Roma tenha deixado a festa de cabeça erguida.
Até porque é inegável a vitória do filme de Alfonso Cuarón, que subiu ao palco para receber três Oscar: melhor fotografia, melhor direção e melhor filme estrangeiro. Uma vitória na maior das categorias marcaria, porém, a primeira vez que o Oscar, em 91 anos de história, reconheceria um filme estrangeiro como o melhor do ano. É inegável também que, ao lado de A Favorita, Roma era o melhor filme na competição – seguidos muito de perto por Infiltrados na Klan. Todos, de certa forma, foram vencedores. Spike Lee, diretor de Klan, ganhou a estatueta como roteirista e fez (como não poderia deixar de ser) o discurso mais inflamado da noite, mesmo que sua mensagem seja "vamos vencer pelo amor, não pelo ódio". Esnobado quase três décadas atrás quando Faça a Coisa Certa, um dos filmes mais importantes do cinema americano, foi lembrado somente em duas categorias, Lee se viu recompensado por seu melhor trabalho desde então. Mas é quase uma afronta a Academia ter demorado tanto tempo para reconhecer um cineasta tão importante, responsável por obras como Malcolm X, Febre da Selva, Irmãos de Sangue e A Última Noite (ok, eu estou até disposto a perdoar o execrável remake de Oldboy).
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O discurso de Spike coroou uma noite mais diversa e colorida. Homens e mulheres, brancos, negros e asiáticos, celebridades e desconhecidos agora ilustres, todos se dividiram no palco em uma festa que reconheceu que o mundo é plural. Pantera Negra, por exemplo, foi reconhecido com três estatuetas – figurino, direção de arte e trilha sonora, prêmios que reconhecem o trabalho em emprestar verossimilhança a um país africano fictício, a poderosa nação de Wakanda. Empatou com os Oscar entregues a Roma e também a Green Book (que, além de filme, também garfou os prêmio de roteiro original e de melhor ator coadjuvante, entregue a Mahershala Ali). O "grande vencedor", ao menos segundo a matemática, foi Bohemian Rhapsody, que deixou a festa com quatro Oscar – melhor edição de som, mixagem de som, montagem e melhor ator para Rami Malek.
Por fim, foi uma festa com os altos e baixos de sempre, sem nenhum momento realmente impactante. Opção da Academia, que não cedeu ante a marcha do futuro e não teve peito para entregar o Oscar de melhor filme para o melhor de fato, que foi Roma. Afinal, seria uma vitória e tanto para a Netflix, e a primeira vez que não um estúdio, mas um produtor de conteúdo audiovisual, sairia com o prêmio máximo. Green Book não amarra os cadarços de Roma, mas essa polarização não é novidade em uma premiação que escolheu Shakespeare Apaixonado e não O Resgate do Soldado Ryan, Crash e não O Segredo de Brokeback Mountain, e Spotlight em vez de Mad Max: Estrada da Fúria. A ausência de um apresentador deixou a festa mais dinâmica, e a escalada dos movimentos por mais representatividade começam a ter efeitos práticos nos filmes escolhidos pelo Oscar. Ao menos a gente não precisou lamentar um Oscar de atuação para Lady Gaga: o careca dourado ficou com justiça para Olivia Colman por A Favorita. A gente comemora onde pode.
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