Vingadores: Guerra Infinita não é nada disso que você espera: é melhor!
Roberto Sadovski
25/04/2018 14h57
Quando eu era moleque, o maior barato em ler gibis era mergulhar no encontro dos heróis em uma única aventura. Não essa obrigação dos dias de hoje em existir um crossover a cada mudança de estação: eram histórias especiais, empolgantes, ousadas e surpreendentes, como Crise nas Infinitas Terras ou as Guerras Secretas original. Ao fim de Vingadores: Guerra Infinita, a sensação foi como voltar no tempo, já que cada um destes predicados resume, ainda que com modéstia, a aventura comandada pelos irmãos Anthony e Joseph Russo. Funcionando ao mesmo tempo como celebração dos dez anos do Universo Cinematográfico Marvel e como pedaço de entretenimento pop, a aventura toma rumos tão inesperados que vai destruir as expectativas e as especulações de cada fã que passou boa parte da década numa caça ao tesouro, recolhendo "pistas" para adivinhar o que o estúdio tinha na manga. Todos erraram. Feio. O que não poderia ser melhor.
Até porque esse jogo de "adivinhação" deixou a cultura pop dos últimos anos mais pobre, mais vazia. A internet estreitou todos os meios de comunicação e interação entre fãs e criadores, mas criou em contrapartida uma turma que inunda a rede com as teorias mais estapafúrdias sobre os rumos de uma HQ, um filme ou uma série. Quando confrontados com as ideias originais, não contém o choro – o melhor exemplo é a "indignação" de uma fatia de devotos que detestou Star Wars: Os Últimos Jedi porque "não era como eu tinha imaginado". Com Guerra Infinita, a Disney parece ter se divertido ao acompanhar os plots e surpresas e linhas narrativas tecidos online principalmente no último ano. Claro que o filme dá de ombros para tudo isso e entrega um espetáculo empolgante e original, ainda que seu núcleo seja a jornada de um único homem. Embora "homem" seja pouco para descrevê-lo.
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Thanos, afinal, tem sugerido sua presença desde que Os Vingadores reuniu os heróis mais poderosos do planeta para combater um levante alienígena em Nova York, num já distante 2012. Aos poucos, sua história, combinada com o mistério das Joias do Infinito, tornou-se a grande tapeçaria sobre a qual o MCU foi erguido. Mesmo quando os filmes se concentravam (ainda bem, diga-se) nas aventuras individuais, o pano de fundo sempre foi Thanos. Seu plano é simples. Para obter equilíbrio no cosmos, ele continuamente invade planetas e dizima metade de sua população – exatamente função que ele entregou a Loki em Os Vingadores. Se ele consegue todas as Joias do Infinito, porém, seu poder multiplica-se exponencialmente, e seu objetivo pode ser atingido num literal estalar de dedos. Assim, Guerra Infinita divide-se em várias frentes para contar justamente essa jornada, e em seu caminho ele encontra o maior obstáculo que já enfrentou.
Antes de mais nada, vale dizer que se faz necessário, como em toda narrativa sequencial, saber do histórico da Marvel e de seus maiores heróis até então. Eventos mostrados em Guardiões da Galáxia, em Capitão América: Guerra Civil e, principalmente, em Thor Ragnarok são cruciais para a história ter fluxo mais suave. É justamente no fim de Ragnarok que começa a jornada, com Thanos recuperando o teserract, o cubo que Loki levou da sala de troféus antes de Asgard ser destruída, para adquirir a joia em seu interior. Cada gema anexada à manopla em sua mão aumenta seu poder e deixa o universo mais perto do genocídio. E a cada passo, o Titã Louco aproxima-se da Terra e de seu objetivo final – dois dos artefatos, afinal, encontram-se aqui, no Olho de Agamotto que o Doutor Estranho carrega no peito, e na joia amarelada que deu vida ao sintozóide Visão em Vingadores: Era de Ultron.
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O que vem em seguida é um espetáculo grandioso que o cinema poucas vezes teve peito para bancar. Os irmãos Russo costuram meia dúzia de narrativas diferentes, que vão das ruas de Nova York ao reino africano de Wakanda à desolação de Titã, lua de Saturno e lar de Thanos, sem esquecer que seus jogadores vem de filmes diferentes com tom diverso. Quando passamos da destruição em Nova York para a nave dos Guardiões da Galáxia, os Russo adaptam levemente a direção para que cada personagem seja o mesmo que reconhecemos de uma aventura anterior. O Homem-Aranha de Tom Holland continua o adolescente de queixo caído que vimos em seu próprio De Volta ao Lar. Doutor Estranho (Benedict Cumberbatch) ainda traz a sobriedade com um certo humor nervoso. Colocar tantos elementos num mesmo balaio é caótico, mas um caos controlado, exatamente a proposta de Guerra Infinita. Nessa jornada, alguns personagens podem ter mais destaque do que outros, mas narrativa cinematográfica não é um relógio cronometrando o tempo de cada um em cena: é o cuidado para que cada peça seja utilizada em prol da única coisa que importa, que é a história.
A essa altura, o elenco impressiona não por seu volume, mas pela total falta de ego. Todos aqui entendem que a história é o mais importante e entram em cena dando o melhor de si. Em especial a tríade que, desde sua concepção, foram o centro do MCU. Capitão América, Homem de Ferro e Thor comandam cada um seu "núcleo" narrativo, preparando terreno para o choque inevitável que se avizinha. Chris Evans, Robert Downey Jr. e Chris Hemsworth criaram a versão definitiva de seus personagens, e se Guerra Infinita sinaliza sua despedida, ela não poderia ser mais sensacional. Ainda assim, este Vingadores pertence a Thanos. Mesmo com a maquiagem digital necessária para dar ao personagem seu vulto colossal dos quadrinhos, Josh Brolin encontra a fagulha de humanidade que alimenta sua jornada, fazendo com que suas ações, seus triunfos e seus sacrifícios tenham conexão com a plateia, criando uma experiência às vezes sombria, não raro genuinamente emocionante, sempre espetacular.
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Com Vingadores: Guerra Infinita a Marvel coroa uma década de triunfo, e não dá o menor sinal que vai tirar o pé do acelerador. O filme deixa os próximos lançamentos da Marvel ainda mais urgentes (para lembrar, eles são Homem-Formiga e a Vespa e Capitã Marvel), já que são a linha fina que vai conectar este filme com o próximo capítulo, que encerra a terceira fase do estúdio ano que vem e abre espaço para um futuro de linhas ainda não traçadas. Guerra Infinita tem um pouco do DNA épico de O Retorno do Rei, o ritmo incansável de Mad Max: Estrada da Fúria e o impacto emocional de O Império Contra-Ataca. A Marvel colocou o nível do jogo no topo. Algo que diz que eles não pretendem sair de lá.
Sobre o autor
Roberto Sadovski é jornalista e crítico de cinema. Por mais de uma década, comandou a revista sobre cinema "SET". Colaborou com a revista inglesa "Empire", além das nacionais "Playboy", "GQ", "Monet", "VIP", "BillBoard", "Lola" e "Contigo". Também dirigiu a redação da revista "Sexy" e escreveu o eBook "Cem Filmes Para Ver e Rever... Sempre".
Sobre o blog
Cinema, entretenimento, cultura pop e bom humor dão o tom deste blog, que traz lançamentos, entrevistas e notícias sob um ponto de vista muito particular.