Topo

Adeus, universo compartilhado: o futuro da DC depois do bilhão de Aquaman

Roberto Sadovski

29/01/2019 06h10

Aquaman é a maior bilheteria da história da DC. Pausa. Respira. Repete: em um universo que tem Batman e Superman, dois dos personagens mais populares do planeta, Aquaman acelerou para uma bilheteria global de 1.091 bilhão de dólares – e contando! Depois de misturar seus heróis em um universo compartilhado confuso já de saída, e de experimentar mudanças drásticas nos bastidores do estúdio, a DC emplacou seu sucesso mais improvável com um dos herói menos festejados dos gibis à frente. De nada adiantaram os planos tecidos por Zack Snyder quando fez O Homem de Aço em 2013. De nada adiantou a besteira de criar histórias insípidas e desprovidas de humor e humanidade. Por fim, foi James Wan quem fincou o pé em suas ideias, criou uma aventura que trouxe paralelos com a "fórmula" da concorrência e acertou no gosto popular. Nada como corrigir o curso de um universo na marra!

Espera, risca isso: não existe mais esse papo de universo. A conexão entre os filmes da DC morreu com o fiasco Liga da Justiça, que enterrou a engenharia equivocada bolada por Zack Snyder. Se era uma suposição, com o estúdio divulgando uma dúzia de agendas diferentes na esteira de cada fracasso, o bilhão de Aquaman transforma a coisa em fato. O filme de Wan faz uma referência piscou-perdeu aos planos pregressos do estúdio antes de ignorá-los completamente. Aquaman, então, tratou de cravar uma nova linha de pensamento – que, de tão óbvia, é até absurdo que não tenha sido verbalizada antes: não adianta tentar imitar a Marvel, o jogo ali é em outro nível. A produção com Jason Momoa, que eu discuti antes aqui, esquece a besteira "realista e sombria" e abraça luz e cores e humor e aventura. Aquaman, portanto, nunca tenta ser a Marvel, mas também não faz questão de compor o clubinho da DC: é um animal com vida própria, para ser consumido sem precisar de bula. E o público respondeu a isso.

Coringa, com Joaquin Phoenix, chega no segundo semestre

Daí vem a máxima que conduz os caminhos de Hollywood: quem manda é o dinheiro. Se o futuro do tal "universo estendido DC" já estava nebuloso, agora ele seguiu o caminho do mamute. Todos os filmes anunciados pelo estúdio (e que de fato encontram-se em produção) são one shots – ou seja, funcionam soltinhos, com as referências a um mundo mais amplo jogadas para o gosto dos fãs como a citação a Metrópolis em Batman Eternamente. Shazam! existe no mesmo mundo do Superman, mas não é necessário que eles dividam a cena. Mulher Maravilha 1984 faz seu próprio retcon e segue rumo próprio com a Princesa Amazona, ignorando sem dó Batman vs Superman ou Liga da Justiça. Margot Robbie já está filmando Birds of Prey (And the Fantabolous Emancipation of One Harley Quinn) e deve retornar como a Arlequina em (supostamente) outros três filmes – um deles, a continuação de Esquadrão Suicida, pode ter direção de James Gunn (defenestrado pela Disney e fora do terceiro Guardiões da Galáxia) e pouca conexão com seu antecessor. Coringa tem Joaquin Phoenix e não tem Batman. The Batman, de Matt Reeves (Planeta dos Macacos – A Guerra), aponta para um recomeço sem Ben Affleck. No momento, não há planos para o Superman. O resto é especulação besta.

A DC no cinema sempre funcionou bem assim. A trilogia O Cavaleiro das Trevas de Christopher Nolan rendeu quase 2.5 bilhões de dólares com uma história em três partes, começo, meio e fim. Reza a lenda que O Homem de Aço, Batman vs Superman e Liga da Justiça formam uma única história protagonizada pelo Superman em três atos – e talvez a coisa funcionasse se assumisse e executasse esse plano. Mesmo nos quadrinhos, o que a DC faz melhor é criar histórias que pouco tem a ver com a cronologia de seus títulos regulares. Basta uma espiada nas obras-primas que eles produziram em sua história. Grandes Astros Superman. DC: A Nova FronteiraBatman – O Cavaleiro das Trevas. O Reino do Amanhã. Com um material tão rico, fica ainda mais evidente que a decisão em seguir os passos da Marvel no cinema não passou de bobagem corporativa.

Até porque, se as cabeças pensantes no estúdio conseguiram transformar uma bobagem como Aquaman em um filme de 1 bilhão de dólares (e uns trocados), fica claro que o problema nunca foram os personagens, e sim sua abordagem. Nada impede que estes super-heróis se encontrem no futuro – mas de forma orgânica, depois que o mundo estiver familiarizado com suas jornadas. As consequências do sucesso de Aquaman devem ser imediatas para a DC no cinema. Filmes menos soturnos e escuros (só o Batman é o Batman!). Aventuras com mais humor para humanizar os personagens. Histórias sem nenhuma conexão (ao menos por enquanto) com outras produções do estúdio. Liberdade para os cineastas executarem sua visão! A casa da DC, pelo visto, está em ordem. E todo mundo perdeu o direito de tirar sarro com um herói que, antes loiro e montado em singelos peixinhos, agora é o rei deste universo.

Comunicar erro

Comunique à Redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:

Adeus, universo compartilhado: o futuro da DC depois do bilhão de Aquaman - UOL

Obs: Link e título da página são enviados automaticamente ao UOL

Ao prosseguir você concorda com nossa Política de Privacidade

Sobre o autor

Roberto Sadovski é jornalista e crítico de cinema. Por mais de uma década, comandou a revista sobre cinema "SET". Colaborou com a revista inglesa "Empire", além das nacionais "Playboy", "GQ", "Monet", "VIP", "BillBoard", "Lola" e "Contigo". Também dirigiu a redação da revista "Sexy" e escreveu o eBook "Cem Filmes Para Ver e Rever... Sempre".

Sobre o blog

Cinema, entretenimento, cultura pop e bom humor dão o tom deste blog, que traz lançamentos, entrevistas e notícias sob um ponto de vista muito particular.