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Frustrante, Pequena Grande Vida não dá conta da ambição de suas ideias

Roberto Sadovski

21/02/2018 03h45

Pequena Grande Vida é um filme de grandes ideias. Talvez por isso a fábula dirigida por Alexander Payne seja tão frustrante. Embora sugira uma comédia (os trailers apostam em altas gargalhadas, mas não se engane), o filme termina como plataforma para Payne discutir temas pertinentes, como sustentabilidade, preconceito, luta de classe e, por fim, o fim do mundo. Para isso usa um ponto de partida incomum: a descoberta da miniaturização molecular, procedimento que basicamente encolhe um ser humano. Na justificativa do cientista que cria a novidade, uma pessoa menor consome menos recursos naturais, produz menos lixo e, do tamanho de um Falcon, consegue fazer seu dinheiro render muito mais. Faz sentido.

Corta para uma década depois, quando o mundo ainda torce o nariz para os "pequenos". A trama segue o terapeuta ocupacional Paul (Matt Damon) que, frustrado por nunca ter estudado medicina, já que teve de voltar para casa e cuidar da mãe doente, rala para equilibrar as contas e ter uma vida digna ao lado da mulher, Audrey (Kristen Wiig). Em uma reunião do colégio, Paul se reconecta com um amigo (Jason Sudeikis) que se submeteu ao processo de "encolhimento" e vive uma vida idílica em uma das muitas comunidades para os pequenos espalhada pelo mundo. Decidido a melhorar sua vida, o personagem de Damon vende suas posses e prepara-se para encarar o procedimento – e só depois, quando já está minúsculo, descobre que a mulher entrou em pânico e desistiu. O idílio se torna rotina, já que Paul agora não tem a fortuna sugerida, é divorciado e está preso numa condição irreversível.

Kristen Wiig, Matt Damon e um casal de "encolhidos"

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É nesse prólogo esticado, quando o diretor de Nebraska e Sideways usa a trama para refletir sobre temas pesados, que o filme triunfa. Os pequenos tem os mesmos direitos dos normais? Por não contribuir mais para a economia, eles merecem tantas regalias? O que impede de governos totalitários ao redor do mundo simplesmente encolher e se dispor de seus desafetos? E existe algum modo de impedir que gente levemente à margem da Lei se aproveite deste novo mundo para, como sempre, lucrar? Quando entra em cena a dissidente vietnamita Ngoc Lan Tran (Hong Chau, uma atriz absolutamente sublime), resgatada anos antes ao fugir de seu país ao lado de outros refugiados numa embalagem de TV, em que ela terminou como única sobrevivente, Pequena Grande Vida respira fundo e ensaia uma guinada social pesada. Quando sua vida cruza com a de Tran, Paul percebe que a desigualdade social no mundo dos pequenos é gigante, que injustiças dobram de tamanho e que a ideia inicial, que seria salvar o mundo, perdeu-se no egoísmo inerente ao ser humano.

Pena que Pequena Grande Vida nunca se acerte em relação à direção que quer tomar, ou ao tom que pretende adotar. É um filme sem rumo, em que a jornada de seu protagonista nunca fique clara, o que impede qualquer conexão emocional com ele. O roteiro é uma bagunça, apostando em uma mistura de gêneros que compromete a ambição de suas ideias. À deriva, o filme abraça um ritmo arrastado, com Matt Damon incerto sobre a condução de seu personagem e indeciso ante seus conflitos. Nem o elenco estelar oferece algum conforto. Neil Patrick Harris e Laura Dern surgem numa ponta estilo piscou-perdeu. Christoph Waltz e Udo Kier fazem uma dupla de hedonistas que traz uma certa comicidade, mas que também compromete qualquer identificação. A essa altura, Kristen Wiig já é uma lembrança distante.

Só Hong Chau faz Pequena Grande Vida valer a pena

Se tem alguém, entretanto, que vale uma espiada em Pequena Grande Vida, é a tailandesa Hong Chau. A atriz de Big Little Lies é um achado, elevando todo o cenário sempre que entra em cena com sua atitude sem rodeios, uma mulher que trocou os protestos e a prisão em sua terra natal por uma vida dedicada a levar conforto aos desassistidos. Mesmo quando Payne investe em um terceiro ato bizarro, que leva seu protagonista irritante e confuso à Noruega (e ao verdadeiro culto apocalíptico erguido pelo cientista que inventou o processo em primeiro lugar), ela mantém o filme plantado no chão, oferecendo o mínimo de empatia para um público cansado de ver as caretas de Damon. Pode ser tarde demais. Mas, pelos momentos em que Chau está em cena, Pequena Grande Vida ensaia se tornar o grande filme que pretende ser.

Sobre o autor

Roberto Sadovski é jornalista e crítico de cinema. Por mais de uma década, comandou a revista sobre cinema "SET". Colaborou com a revista inglesa "Empire", além das nacionais "Playboy", "GQ", "Monet", "VIP", "BillBoard", "Lola" e "Contigo". Também dirigiu a redação da revista "Sexy" e escreveu o eBook "Cem Filmes Para Ver e Rever... Sempre".

Sobre o blog

Cinema, entretenimento, cultura pop e bom humor dão o tom deste blog, que traz lançamentos, entrevistas e notícias sob um ponto de vista muito particular.