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Como a Marvel tomou o lugar de Star Wars na cultura pop

Roberto Sadovski

01/05/2019 04h21

Em 1999, às vésperas da estreia de Star Wars: A Ameaça Fantasma, a loja de brinquedos FAO Schwartz, ponto turístico em Nova York desde que apareceu em Quero Ser Grande, inaugurou uma seção especial dedicada à série de George Lucas. Na verdade, um departamento inteiro, que ocupava quase um de seus andares, coalhado de brinquedos e traquitanas colecionáveis para celebrar não só a volta da saga espacial, mas também o maior expoente da cultura pop. Na virada do século, depois de anos quase dormente, Star Wars estava de volta com força total, reconquistando não só os cinemas, mas abraçando com força outras mídias, com uma série animada, videogames, livros e histórias em quadrinhos explorando cada centímetro da tal "galáxia muito, muito distante". Parecia que o domínio da Força era incontestável.

Duas décadas, aparentemente, são o suficiente para mudar muita coisa. A estreia de Vingadores: Ultimato parece materializar a máxima "Rei morto, Rei posto". A conclusão da longa saga, desenhada pelo estúdio ao longo de 22 filmes em onze anos, domina a conversa entre os entusiastas da cultura pop há mais de um ano, quando a aventura Guerra Infinita terminou em um gancho espetacular, com os heróis derrotados e o destino do universo irremediavelmente alterado. O entusiasmo por Ultimato foi traduzido em números superlativos. Foi a maior estreia mundial da história, com 1,2 bilhão de dólares em caixa em seu fim de semana de ataque, em ocupação quase completa dos cinemas do planeta – o que, por aqui, foi motivo de polêmica por sua natureza "predatória", o que eu enxergo como demanda fora do comum.

Vingadores: Ultimato, a criatura devoradora de recordes de bilheteria

Star Wars fez parte da formação de gerações de entusiastas de fantasia e ficção científica. A saga já deixou sua marca na história do cinema ao mudar o jeito de fazer, vender e ver filmes. Hoje, porém, ocupa uma honrosa segunda posição, e não faz uma fração do barulho dos super-heróis dos gibis. Um dos motivos é puro volume. A Marvel tem à sua disposição dúzias de personagens que ancoram diferentes séries no cinema. Eventualmente, elas colidem em um crossover matador. Além disso, o estúdio mantém desde 2017 uma média de três filmes por ano, o que pode aumentar com a chegada dos personagens dos universos dos X-Men e do Quarteto Fantástico, adicionados à mistura com a compra da Fox pela DisneyStar Wars, por outro lado, sempre concentrou seu poder narrativo em uma única história, que em dezembro finalmente será concluída em A Ascensão Skywalker. E essa história, mesmo impactando gerações diferentes desde seu início em 1977, não consegue manter o pique em um mundo tão acelerado, conectado e aparentemente sofrendo de constante déficit de atenção.

O tempo, visto assim, foi o pior inimigo de Luke Skywalker. Historicamente, a "janela" entre cada novo Star Wars era de três anos – uma eternidade para os padrões do novo século. Uma Nova Esperança, de 1977, foi seguido de O Império Contra-Ataca (1980) e O Retorno de Jedi (1983). Três filmes, ancorados por um universo de produtos que transformou o cinema em uma enorme vitrine, formaram a "santíssima trindade" do pop, o padrão de excelência à frente do qual qualquer novo produto seria comparado. Foram dezesseis anos até A Ameaça Fantasma, o primeiro episódio de uma nova trilogia que faturou quase 1 bilhão de dólares em 1999, catapultando a marca para a estratosfera. A Força, porém, ficou atrás de O Senhor dos Anéis – As Duas Torres, Harry Potter e a Câmara Secreta e Homem-Aranha em 2002, ano de Ataque dos Clones. A Vingança dos Sith, que concluiu a série em 2005, perdeu o topo do pódio para Harry Potter e o Cálice de Fogo. Pela primeira vez desde sua criação, a saga espacial não estava mais sozinha no mercado. Sem personagens carismáticos e bem desenvolvidos como nos filmes originais – e sem um ícone como Darth Vader -, Star Wars viu sua relevância espalhada ao longo de outros produtos corporativos.

The Mandalorian marca a expansão de Star Wars no streaming

O curioso é que não há, tecnicamente, concorrência alguma. A Marvel e a LucasFilm pertencem, afinal, à mesma Disney, que já percebeu o erro em espelhar a mesma estratégia nos dois estúdios. A Marvel começou sua jornada no cinema moderno com X-Men (2000) e Homem-Aranha (2002), mas eram produções em parceria com as produtoras detentoras de seus direitos cinematográficos. A criação de um universo coeso como o dos gibis começou mesmo com Homem de Ferro (2008), uma aposta arriscada que tem agora, em Vingadores: Ultimato, uma conclusão triunfante e bem sucedida. Star Wars: O Despertar da Força, chegou aos cinemas em 2015 com a missão não só de reconectar a platéia com o universo criado por Lucas, mas também com seus personagens clássicos, como Han Solo, Luke Skywalker e Leia Organa. Uma bilheteria acachapante de pouco mais de 2 bilhões de dólares assegurou a transformação da saga em um "universo compartilhado", com novas histórias lançadas paralelamente à narrativa principal. As Histórias Star Wars começaram absurdamente bem com Rogue One (1 bilhão de dólares em caixa), mas bateram na trave com Han Solo, uma produção problemática e sem rumo que ano passado não chegou a 400 milhões de bilheteria, pior resultado de um filme da marca. Foi o bastante para acender o sinal amarelo, brecar novas aventuras "paralelas" e decretar mais uma pausa da série nos cinemas depois de A Ascensão Skywalker.

Como a Disney não só segura todas as chaves, como também é dona de todas as portas, tirar o pé do acelerador e reavaliar o rumo de Star Wars não vai trazer nenhum prejuízo à empresa. Os planos para o futuro, porém, mostram onde está sua prioridade. Em novembro o estúdio do Mickey inaugura seu serviço de streaming, o Disney+, e a diferença no volume de produções de Star Wars e da Marvel é emblemática. A primeira terá a sétima temporada da animação The Clone Wars; a série The Mandalorian, produzida por Jon Favreau e ambientada uma década depois de A Vingança dos Sith; e outra centrada em Cassian Andor, personagem de Diego Luna em Rogue One. Já a Marvel tem na manga WandaVision, com a volta dos personagens Feiticeira Escarlate e Visão; Loki; Falcão e o Soldado Invernal; e Gavião Arqueiro. Todas mantendo o elenco dos filmes, todas conectadas ao Universo Cinematográfico Marvel. Além de duas séries documentais produzidas pelo estúdio (616 e Hero Project), a plataforma trará a antologia What If… que, como a série de quadrinhos do mesmo nome, imagina versões alternativas para histórias consagradas. Star Wars, com seus mundos fantásticos, criaturas exóticas e saga medieval travestida de aventura espacial, começou uma revolução pop. Mas hoje, a coroa está com os super-heróis dos gibis. O mundo agora é menos Darth Vader e mais Thanos. Com todos competindo no mesmo time, será difícil reverter o jogo. E, como Yoda uma vez disse, não existe esse negócio de "tentar".

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Sobre o autor

Roberto Sadovski é jornalista e crítico de cinema. Por mais de uma década, comandou a revista sobre cinema "SET". Colaborou com a revista inglesa "Empire", além das nacionais "Playboy", "GQ", "Monet", "VIP", "BillBoard", "Lola" e "Contigo". Também dirigiu a redação da revista "Sexy" e escreveu o eBook "Cem Filmes Para Ver e Rever... Sempre".

Sobre o blog

Cinema, entretenimento, cultura pop e bom humor dão o tom deste blog, que traz lançamentos, entrevistas e notícias sob um ponto de vista muito particular.